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Abertura Ano Sacerdotal

O Papa convocou um Ano Sacerdotal (19/06 de 2009 a 19/06/2010), por ocasião do 150º aniversário da morte do santo Cura de Ars, a quem proclamará como padroeiro de todos os sacerdotes do mundo. O tema escolhido para o Ano Sacerdotal é o de «Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote». Está previsto que o Papa o abra com uma celebração de Vésperas, em 19 de junho, solenidade do Sagrado Coração de Jesus e Dia de Santificação Sacerdotal.
Durante este Ano jubilar, está prevista a publicação de um «Diretório para os Confessores e Diretores Espirituais», assim como de uma «recopilação de textos do Papa sobre os temas essenciais da vida e da missão sacerdotais na época atual». O objetivo deste ano é, segundo expressou o próprio Papa hoje aos membros da Congregação para o Clero, «ajudar a perceber cada vez mais a importância do papel e da missão do sacerdote na Igreja e na sociedade contemporânea.

Carta do papa Bento XVI por ocasião da abertura do Ano Sacerdotal
Amados irmãos no sacerdócio,
Na próxima solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, sexta‐feira 19 de Junho de
2009 – dia dedicado tradicionalmente à oração pela santificação do clero – tenho em mente
proclamar oficialmente um "Ano Sacerdotal" por ocasião do 150º aniversário do "dies natalis"
de João Maria Vianney, o Santo Patrono de todos os párocos do mundo. Tal ano, que pretende
contribuir para fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um
seu testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo, terminará na mesma solenidade, em
2010. "O sacerdócio é o amor do Coração de Jesus" costumava dizer o Santo Cura d’Ars. Essa
tocante afirmação nos permite, antes de tudo, evocar com ternura e gratidão, o dom imenso
que são os sacerdotes, não só para a Igreja, mas também para a própria humanidade. Penso
em todos os presbíteros que propõem, humilde e quotidianamente, aos fiéis cristãos e ao
mundo inteiro, as palavras e os gestos de Cristo, procurando aderir a Ele com os pensamentos,
a vontade, os sentimentos e o estilo de toda a sua existência. Como não sublinhar suas fadigas
apostólicas, seu serviço incansável e escondido, sua caridade que, por tendência, era
universal? E o que dizer da fidelidade corajosa de tantos sacerdotes que − não obstante
dificuldades e incompreensões − continuam fiéis à sua vocação: a de "amigos de Cristo", por
Ele de modo particular chamados, escolhidos e enviados?
Eu mesmo guardo ainda, no coração, a recordação do primeiro pároco junto de quem
exerci o meu ministério de jovem sacerdote: deixou‐me o exemplo de uma dedicação sem
reservas ao próprio serviço sacerdotal, a ponto de encontrar a morte durante o próprio ato de
levar o viático a um doente grave. Depois, revejo na memória os inumeráveis irmãos que
encontrei e encontro, inclusive durante as minhas viagens pastorais às diversas nações,
generosamente empenhados no exercício diário do seu ministério sacerdotal. Mas a expressão
utilizada pelo Santo Cura d’Ars evoca também o Coração traspassado de Cristo com a coroa de
espinhos que O envolve. E isso leva o pensamento a se deter nas inumeráveis situações de
sofrimento em que se encontram imersos muitos sacerdotes, ou porque participantes da
experiência humana da dor na multiplicidade das suas manifestações, ou porque
incompreendidos pelos próprios destinatários do seu ministério: como não recordar os tantos
sacerdotes ofendidos na sua dignidade, impedidos na sua missão e, às vezes, mesmo
perseguidos até ao supremo testemunho do sangue?
Infelizmente, existem também situações, nunca suficientemente deploradas, em que é
a própria Igreja a sofrer pela infidelidade de alguns dos seus ministros. Daí advém, então, para
o mundo, motivo de escândalo e de repulsa. O máximo que a Igreja pode extrair de tais casos,
não é o relevar acintosamente as fraquezas dos seus ministros, quanto tomar uma renovada e
consoladora consciência da grandeza do dom de Deus, concretizado em figuras esplêndidas de
generosos pastores, de religiosos inflamados de amor por Deus e pelas almas, de diretores
espirituais esclarecidos e pacientes. A esse respeito, os ensinamentos e exemplos de São João
Maria Vianney podem oferecer a todos, um significativo ponto de referência. O Cura d’Ars era
humilíssimo, mas consciente de ser, enquanto padre, um dom imenso para seu povo: "Um
bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus é o maior tesouro que o bom Deus pode
conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina." Falava do
sacerdócio como se não conseguisse alcançar plenamente a grandeza do dom e da tarefa
confiados a uma criatura humana: "Oh como é grande o padre! (…) Se lhe fosse dado
compreender‐se a si mesmo, morreria. (…) Deus obedece‐lhe: ele pronuncia duas palavras e, à
sua voz, Nosso Senhor desce do céu e encerra‐se numa pequena hóstia." E, ao explicar a seus
fiéis a importância dos sacramentos, dizia: "Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o
Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no
primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de
realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará‐la para comparecer diante de
Deus, lavando‐a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E
se esta alma chega a morrer (pelo pecado), quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a
serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. (…) Depois de Deus, o sacerdote é tudo! (…) Ele próprio
não se entenderá bem a si mesmo, senão no céu". Essas afirmações nascidas do coração
sacerdotal daquele santo pároco podem parecer excessivas. Nelas, porém, revela‐se a sublime
consideração em que ele tinha o sacramento do sacerdócio. Parecia subjugado por uma
sensação de responsabilidade sem fim: "Se compreendêssemos bem o que um padre é, sobre
a terra, morreríamos: não de susto, mas de amor. (…) Sem o padre, a morte e a paixão de
Nosso Senhor não teria servido para nada. É o padre que continua a obra da Redenção sobre a
terra (…) De que valeria termos uma casa cheia de ouro, se não houvesse ninguém para nos
abrir a porta? O padre possui a chave dos tesouros celestes: é ele que abre a porta; é o
ecônomo do bom Deus; o administrador dos seus bens (…) Deixai uma paróquia durante vinte
anos sem padre, e lá se adorarão as bestas. (…) O padre não é padre para si mesmo, o é para
vós."
Tinha chegado a Ars, uma pequena aldeia com 230 habitantes, precavido pelo bispo de
que iria encontrar uma situação religiosamente precária: "Naquela paróquia, não há muito
amor de Deus; infundi‐lo‐eis vós." Por conseguinte, achava‐se plenamente consciente de que
devia ir para lá a fim de encarnar a presença de Cristo, testemunhando sua ternura salvífica:
"(Meu Deus), concedei‐me a conversão da minha paróquia; aceito sofrer tudo aquilo que
quiserdes por todo o tempo da minha vida!": foi com essa oração que começou sua missão. E,
à conversão da sua paróquia, dedicou‐se o Santo Cura com todas as suas energias, colocando
no ápice de cada uma de suas ideias, a formação cristã do povo a ele confiado. Amados irmãos
no sacerdócio, peçamos ao Senhor Jesus, a graça de podermos, também nós, assimilar o
método pastoral de São João Maria Vianney. A primeira coisa que devemos aprender é sua
total identificação com o próprio ministério. Em Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão:
toda a sua ação salvífica era e é expressão do seu "Eu filial" que, desde toda a eternidade, está
diante do Pai, em atitude de amorosa submissão à sua vontade. Com modesta, mas
verdadeira, analogia, também o sacerdote deve ansiar por essa identificação. Não se trata,
certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério permanece,
independentemente da santidade do ministro; mas também não se pode deixar de ter em
conta a extraordinária frutificação gerada do encontro entre a santidade objetiva do
ministério, e a subjetiva do ministro. O Cura d’Ars principiou, imediatamente, esse humilde e
paciente trabalho de harmonização entre a sua vida de ministro e a santidade do ministério
que lhe fora confiado, decidindo "habitar", mesmo materialmente, na sua igreja paroquial:
"Logo que chegou, escolheu a igreja para sua habitação. (…) Entrava na igreja antes da aurora
e não saía de lá senão à tardinha, depois do Angelus. Quando precisavam dele, deviam
procurá‐lo lá" − lê‐se na primeira biografia.
O exagero devoto do pio hagiógrafo não deve fazer‐nos esquecer o fato de que o
Santo Cura soube também "habitar" ativamente, em todo o território da sua paróquia:
visitava, sistematicamente, os doentes e as famílias; organizava missões populares e festas dos
santos patronos; recolhia e administrava dinheiro para suas obras sociocaritativas e
missionárias; embelezava sua igreja e a dotava de adornos sagrados; ocupava‐se das órfãs do
"Providence" (um instituto fundado por ele) e de suas educadoras; preocupava‐se com a
instrução das crianças; fundava confrarias e chamava os leigos para colaborarem com ele.
Seu exemplo me induz a evidenciar os espaços de colaboração que é imperioso
estender, cada vez mais, aos fiéis leigos com os quais os presbíteros formam um único povo
sacerdotal e, no meio dos quais, em virtude do sacerdócio ministerial, se encontram "para
levá‐los, todos, à unidade, "amando‐se uns aos outros com caridade fraterna, e tendo os
outros por mais dignos" (Rm 12, 10)". Nesse contexto, há que recordar o caloroso e
encorajador convite feito pelo Concílio Vaticano II aos presbíteros, para que "reconheçam e
promovam sinceramente a dignidade e participação própria dos leigos na missão da Igreja.
Estejam dispostos a ouvir os leigos, tendo, fraternalmente, em conta, seus desejos, e
reconhecendo a experiência e competência deles nos diversos campos da atividade humana,
para que, juntamente com eles, saibam reconhecer os sinais dos tempos".
O Santo Cura ensinava seus paroquianos, sobretudo, com o testemunho da vida. Pelo
seu exemplo, os fiéis aprendiam a rezar, detendo‐se de bom grado diante do sacrário, para
uma visita a Jesus‐Eucaristia. "Para rezar bem – explicava‐lhes o Cura – não há necessidade de
falar muito. Sabe‐se que Jesus está ali, no tabernáculo sagrado: abramos‐Lhe o nosso coração,
alegremo‐nos pela sua presença sagrada. Esta é a melhor oração." E exortava: "Vinde à
comunhão, meus irmãos, vinde a Jesus. Vinde viver d’Ele para poderdes viver com Ele. É
verdade que não sois dignos, mas tendes necessidade!" Essa educação dos fiéis à presença
eucarística e à comunhão adquiria um eficácia muito particular, quando o viam celebrar o
santo sacrifício da missa. Quem ao mesmo assistia, afirmava que "não era possível encontrar
uma figura que exprimisse melhor a adoração. (…) Contemplava a hóstia amorosamente".
Dizia ele: "Todas as boas obras reunidas não igualam o valor do sacrifício da missa, porque
aquelas são obra de homens, enquanto a santa missa é obra de Deus." Estava convencido de
que todo o fervor da vida de um padre dependia da missa: "A causa do relaxamento do
sacerdote é porque não presta atenção à missa! Meu Deus, como é de lamentar um padre que
celebra (a missa) como se fizesse um coisa ordinária!" E, ao celebrar, tinha tomado o costume
de sempre oferecer também, o sacrifício da sua própria vida: "Como faz bem um padre
oferecer‐se em sacrifício a Deus todas as manhãs!"
Essa sintonia pessoal com o sacrifício da Cruz levava‐o – por um único movimento
interior – do altar ao confessionário. Os sacerdotes jamais deveriam resignar‐se a ver seus
confessionários desertos, nem limitar‐se a constatar o menosprezo dos fiéis por esse
sacramento. Na França, no tempo do Santo Cura d’Ars, a confissão não era mais fácil nem mais
frequente do que nos nossos dias, pois a tormenta revolucionária tinha longamente sufocado a
prática religiosa. Mas ele procurou de todos os modos, com a pregação e o conselho
persuasivo, fazer com que seus paroquianos redescobrissem o significado e a beleza da
Penitência sacramental, apresentando‐a como uma exigência íntima da presença eucarística.
Pôde, assim, dar início a um círculo virtuoso. Com as longas permanências na igreja junto do
sacrário, fez com que os fiéis começassem a imitá‐lo, indo até lá visitar Jesus, e, ao mesmo
tempo, estivessem seguros de que lá encontrariam seu pároco disponível para ouvi‐los e
perdoá‐los. Em seguida, a multidão crescente dos penitentes provenientes de toda a França,
haveria de retê‐lo no confessionário até 16 horas por dia. Dizia‐se, então, que Ars se tornara "o
grande hospital das almas". "A graça que ele obtinha (para a conversão dos pecadores) era tão
forte, que aquela ia procurá‐los sem lhes deixar um momento de trégua!": diz o primeiro
biógrafo. E, assim o pensava o Santo Cura d’Ars, quando afirmava: "Não é o pecador que
regressa a Deus para Lhe pedir perdão, mas é o próprio Deus que corre atrás do pecador e o
faz voltar para Ele. Este bom Salvador é tão cheio de amor, que nos procura por todo o lado."
Todos nós, sacerdotes, deveríamos sentir que nos tocam pessoalmente essas palavras
que ele colocava na boca de Cristo: "Encarregarei os meus ministros de anunciarem aos
pecadores que estou sempre pronto a recebê‐los, que a minha misericórdia é infinita." Do
Santo Cura d’Ars, nós, sacerdotes, podemos aprender não só uma inexaurível confiança no
sacramento da Penitência, que nos instigue a colocá‐lo no centro das nossas preocupações
pastorais, mas também o método do "diálogo de salvação" que nele se deve realizar. O Cura
d’Ars tinha maneiras diversas de comportar‐se, segundo os vários penitentes. Quem vinha ao
seu confessionário atraído por uma íntima e humilde necessidade do perdão de Deus,
encontrava nele o encorajamento para mergulhar na "torrente da misericórdia divina" que, no
seu ímpeto, tudo arrasta e depura. E se aparecia alguém angustiado com o pensamento de sua
debilidade e inconstância, temeroso de futuras quedas, o Cura d’Ars revelava‐lhe o segredo de
Deus, com um discurso de comovente beleza: "O bom Deus sabe tudo. Ainda antes de vos
confessardes, já sabe que voltareis a pecar e, todavia, vos perdoa. Como é grande o amor do
nosso Deus, que vai até o ponto de esquecer voluntariamente o futuro, só para poder perdoarnos!"
Diversamente, a quem se acusava de forma indolente e quase indiferente, expunha,
através de suas próprias lágrimas, a séria e dolorosa evidência de quão "abominável" fosse
aquele comportamento. "Choro, porque vós não chorais" − exclamava ele. "Se ao menos o
Senhor não fosse assim tão bom! Mas é assim bom! Só um bárbaro poderia comportar‐se
assim diante de um Pai tão bom!" Fazia brotar o arrependimento no coração dos indolentes,
forçando‐os a verem com os próprios olhos, o sofrimento de Deus, causado pelos pecados,
quase "encarnado" no rosto do padre que os atendia na confissão. Entretanto, a quem se
apresentava já desejoso e capaz de uma vida espiritual mais profunda, abria‐lhe de par em par
as profundidades do amor, explicando a inexprimível beleza de poder viver unidos a Deus e na
sua presença: "Tudo sob o olhar de Deus, tudo com Deus, tudo para agradar a Deus. (…) Como
é belo!" E ensinava‐lhes a rezar assim: "Meu Deus, dai‐me a graça de Vos amar tanto quanto é
possível que eu Vos ame!"
No seu tempo, o Cura d’Ars soube transformar o coração e a vida de muitas pessoas,
porque conseguiu fazer‐las sentir o amor misericordioso do Senhor. Também hoje, é
igualmente urgente o anúncio e o testemunho da verdade do Amor: Deus caritas est (1 Jo 4,
8). Com a Palavra e os Sacramentos do seu Jesus, João Maria Vianney sabia instruir seu povo,
ainda que frequentemente suspirasse, convencido da sua pessoal inaptidão, a ponto de ter
desejado, diversas vezes, subtrair‐se às responsabilidades do ministério paroquial, do qual se
sentia indigno. Mas, com exemplar obediência, ficou sempre no seu lugar, porque o consumia
a paixão apostólica pela salvação das almas. Procurava aderir totalmente à própria vocação e
missão, por meio de uma severa ascese: "Para nós, párocos, a grande desdita – deplorava o
Santo – é entorpecer‐se a alma", entendendo, com isso, o perigo de o pastor se habituar ao
estado de pecado ou de indiferença em que vivem muitas das suas ovelhas. Com vigílias e
jejuns, freava o corpo, para evitar que opusesse resistência à sua alma sacerdotal. E não se
esquivava a mortificar‐se a si mesmo, para bem das almas que lhe estavam confiadas e para
contribuir para a expiação dos muitos pecados ouvidos em confissão. Explicava a um colega
sacerdote: "Dir‐vos‐ei qual é a minha receita: dou aos pecadores uma penitência pequena, e o
resto faço‐o eu, no lugar deles." Independentemente das penitências concretas a que se
sujeitava o Cura d’Ars, continua válido para todos, o núcleo do seu ensinamento: as almas
custam o sangue de Cristo e o sacerdote não pode dedicar‐se à sua salvação, se se recusa a
contribuir com a sua parte, para pagar o "alto preço" da redenção.
No mundo atual, não menos do que nos tempos difíceis do Cura d’Ars, é preciso que os
presbíteros, na sua vida e ação, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico. Paulo VI
observou, justamente, que "o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as
testemunhas do que os mestres ou então, se escuta os mestres, é porque eles são
testemunhas". Para que não se forme um vazio existencial em nós e fique comprometida a
eficácia do nosso ministério, é preciso não cessar de nos interrogarmos: "Somos
verdadeiramente permeados pela palavra de Deus? É verdade que ela é o alimento de que
vivemos, mais de que o sejam o pão e as coisas deste mundo? Conhecemo‐la
verdadeiramente? Amamo‐la? Ocupamos interiormente desta palavra, de modo que a mesma
dê, realmente. um timbre à nossa vida e uma forma ao nosso pensamento?" Assim como Jesus
chamou os Doze para estarem com Ele (cf. Mc 3, 14) e só depois é que os enviou a pregarem,
assim também nos nossos dias, os sacerdotes são chamados a assimilar aquele "novo estilo de
vida" que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e assumido pelos apóstolos.
Foi precisamente a adesão sem reservas a esse "novo estilo de vida" que caracterizou
o trabalho ministerial do Cura d’Ars. O Papa João XXIII, na carta encíclica Sacerdotii nostri
primordia – publicada em 1959, centenário da morte de São João Maria Vianney – apresentava
sua fisionomia ascética, referindo‐se de modo especial ao tema dos "três conselhos
evangélicos" considerados necessários também para os presbíteros: "Embora, para alcançar
esta santidade de vida, não seja imposta ao sacerdote como própria do estado clerical, a
prática dos conselhos evangélicos, entretanto esta representa para ele, como para todos os
discípulos do Senhor, o caminho regular da santificação cristã." O Cura d’Ars soube viver os
"conselhos evangélicos" segundo modalidades apropriadas à sua condição de presbítero. Com
efeito, sua pobreza não foi a mesma de um religioso ou de um monge, mas a requerida a um
padre: embora manejasse muito dinheiro (dado que os peregrinos mais abonados não
deixavam de se interessar por suas obras sociocaritativas), sabia que tudo era dado para a sua
igreja, os seus pobres, os seus órfãos, as meninas do seu "Providence", e as suas famílias mais
indigentes. Por isso, ele "era rico para dar aos outros e era muito pobre para si mesmo".
Explicava: "Meu segredo é simples: dar tudo e não guardar nada." Quando se encontrava de
mãos vazias, dizia contente aos pobres que lhe se dirigiam: "Hoje sou pobre como vós, sou um
de vós." Desse modo, pôde, ao fim da vida, afirmar com absoluta serenidade: "Não tenho mais
nada. Agora o bom Deus pode chamar‐me quando quiser!" Também sua castidade era aquela
que se requeria a um padre para o seu ministério. Pode‐se dizer que era a castidade
conveniente a quem deve, habitualmente, tocar a Eucaristia e que, habitualmente, a fixa com
todo o entusiasmo do coração e com o mesmo entusiasmo a dá a seus fiéis. Dele se dizia que
"a castidade brilhava no seu olhar" e os fiéis apercebiam‐se disso, quando ele se voltava para o
sacrário, fixando‐o com os olhos de um enamorado. Também a obediência de São João Maria
Vianney foi toda encarnada na dolorosa adesão às exigências diárias do seu ministério. É
sabido como o atormentava o pensamento de sua própria inaptidão para o ministério
paroquial, e o desejo que tinha de fugir "para chorar sua pobre vida, na solidão". Somente a
obediência e a paixão pelas almas conseguiam convencê‐lo a continuar no seu lugar. A si
próprio e a seus fiéis explicava: "Não há duas maneiras boas de servir a Deus. Há apenas uma:
servi‐Lo como Ele quer ser servido." A regra de ouro para levar uma vida obediente parecia‐lhe
ser esta: "Fazer só aquilo que pode ser oferecido ao bom Deus."
No contexto da espiritualidade alimentada pela prática dos conselhos evangélicos,
aproveito para dirigir aos sacerdotes, neste Ano a eles dedicado, um convite particular, a fim
de que saibam acolher a nova Primavera que, em nossos dias, o Espírito suscita na Igreja,
através, particularmente, dos movimentos eclesiais e das novas comunidades. "O Espírito é
multiforme nos seus dons. (…) Ele sopra onde quer. E o faz de maneira inesperada, em lugares
imprevistos, e segundo formas precedentemente inimagináveis (…); mas nos demonstra
também, que Ele age em vista do único Corpo e na unidade do único Corpo." A propósito
disso, vale a indicação do decreto Presbyterorum ordinis: "Sabendo discernir se os espíritos
vêm de Deus, (os presbíteros) perscrutem com o sentido da fé, reconheçam com alegria e
promovam com diligência os multiformes carismas dos leigos, tanto os humildes como os
sublimes." Esses dons que impelem não poucos para uma vida espiritual mais elevada, podem
ser de proveito não só para os fiéis leigos, mas também para os próprios ministros. Com efeito,
da comunhão entre ministros ordenados e carismas pode brotar "um válido impulso para um
renovado compromisso da Igreja, no anúncio e no testemunho do Evangelho da esperança e
da caridade, em todos os recantos do mundo". Queria ainda, acrescentar, apoiado na
exortação apostólica Pastores dabo vobis, do Papa João Paulo II, que o ministério ordenado
tem uma radical "forma comunitária" e pode ser cumprido apenas na comunhão dos
presbíteros com o seu bispo. É preciso que essa comunhão entre os sacerdotes e com seus
respectivos bispos, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração
eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e
afetiva. Só desse modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e
serão capazes de fazer florir comunidades cristãs onde se renovem os prodígios da primeira
pregação do Evangelho.
O Ano Paulino, que está chegando ao fim, encaminha o nosso pensamento também
para o Apóstolo dos Gentios, em quem refulge aos nossos olhos um modelo esplêndido de
sacerdote, totalmente "entregue" a seu ministério. "O amor de Cristo nos impele – escrevia ele
– ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram" (2 Cor 5, 14). E
acrescenta: Ele "morreu por todos, para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas
vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles" (2 Cor 5, 15). Que programa melhor do
que esse poderia ser proposto a um sacerdote empenhado em avançar pela estrada da
perfeição cristã?
Amados sacerdotes, a celebração dos 150 anos da morte de São João Maria Vianney
(1859) segue‐se, imediatamente, às celebrações − há pouco encerradas − dos 150 anos das
aparições de Lourdes (1858). Já em 1959, o bem‐aventurado Papa João XXIII anotara: "Pouco
antes que o Cura d’Ars concluísse sua longa carreira cheia de méritos, a Virgem Imaculada
aparecera, noutra região da França, a uma menina humilde e pura, para lhe transmitir uma
mensagem de oração e penitência, cuja imensa ressonância espiritual, há um século, é bem
conhecida. Na realidade, a vida do santo sacerdote, cuja comemoração celebramos, fora de
antemão uma viva ilustração das grandes verdades sobrenaturais ensinadas à vidente de
Massabielle. Ele próprio nutria pela Imaculada Conceição da Santíssima Virgem uma vivíssima
devoção, ele que, em 1836, havia consagrado sua paróquia a Maria concebida sem pecado, e
acolheria com tanta fé e alegria, a definição dogmática de 1854." O Santo Cura d’Ars sempre
recordava a seus fiéis que "Jesus Cristo, depois de nos ter dado tudo aquilo que nos podia dar,
quis ainda fazer‐nos herdeiros de quanto Ele tem de mais precioso, ou seja, da sua Santa
Mãe".
À Virgem Santíssima entrego este Ano Sacerdotal, pedindo‐Lhe para suscitar no ânimo
de cada presbítero, um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e à
Igreja, que inspiraram o pensamento e a ação do Santo Cura d’Ars. Com sua fervorosa vida de
oração e seu amor apaixonado, por Jesus crucificado, João Maria Vianney alimentou sua
cotidiana doação sem reservas a Deus e à Igreja. Possa o seu exemplo suscitar, nos sacerdotes,
aquele testemunho de unidade com o bispo, entre eles próprios e com os leigos, que é tão
necessário hoje, como sempre o foi. Não obstante o mal que existe no mundo, ressoa sempre
atual a palavra de Cristo a seus apóstolos, no Cenáculo: "No mundo, sofrereis tribulações. Mas
tende confiança: Eu venci o mundo" (Jo 16, 33). A fé no Divino Mestre dá‐nos a força para
olhar com confiança, para o futuro. Amados sacerdotes, Cristo conta convosco. A exemplo do
Santo Cura d’Ars, deixai‐vos conquistar por Ele e sereis, também vós, no mundo atual,
mensageiros de esperança, de reconciliação, de paz.
Com a minha bênção.
Vaticano, 16 de Junho de 2009.
Benedictus PP. XVI

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