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O SACERDOTE E O MUNDO

O SACERDOTE E O MUNDO
(anotações para uma palestra dada a seminaristas diocesanos)

Pe. Francisco Faus

            1. No dia da Ascensão, Cristo “coloca” os Apóstolos (os primeiros “instrumentos vivos de Cristo sacerdote”) em frente ao mundo, e os “lança” a ele: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado […] Os discípulos partiram e pregaram por toda a parte. O Senhor cooperava com eles e confirmava a sua palavra com os milagres que a acompanhavam” (Mc 16, 15-16.20).

            Esta é, sobretudo, a vocação dos sacerdotes seculares. Não é a vocação de monge afastado do mundo (vocação, sem dúvida alguma, necessária e admirável, mas diversa da nossa). Por isso, é importante que os sacerdotes seculares (e também, neste ponto, os religiosos de vida apostólica e missionária, que trabalham “no século”) vejamos o mundo − que é o nosso “campo” − como Cristo o vê, com os olhos de Cristo.

            2. No Evangelho, fica claro que Cristo vê o mundo de quatro maneiras (quatro ângulos).

            A) Primeiro ângulo: o mundo, como obra de Deus, é amado por Deus:  Nosso Senhor é o Verbo encarnado, o Verbo de quem diz o Evangelho: Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito (Jo , 3). Já no início da Bíblia, ao narrar a Criação do mundo, e concretamente a do homem, o texto sagrado diz: E Deus viu que era bom…; e era muito bom (cf. Gen. 1,23 e 31)….    

            Jesus, o Verbo encarnado, ama o mundo, que é “obra das suas mãos” (o Evangelho, p.e.,  mostra constantemente o amor de nosso Senhor pela natureza),  ama o homem, criado à sua imagem e semelhança,  feito por Deus e “para Deus”, para a vida eterna. Ou seja, Cristo ama o mundo em si, na sua realidade ontológica – poderíamos dizer -; e, de um modo especial e único, ama o homem, criado, à imagem e semelhança de Deus, em estado de amizade com seu Criador, e em harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 374). E, como veremos depois, uma vez que essa amizade e essa harmonia foram quebradas pelo pecado, Cristo  ama o homem com um amor redentor, que o leva a entregar-se inteiramente para o livrar do “único mal”, que é a separação de Deus, o pecado.

            B) Segundo ângulo: o mundo visto como realidade dominada pelo pecado, pelo “príncipe deste mundo” (cfr. Jo 2,31; 14,30; 6,11), e, por isso, hostil a Deus, “inimigo

            Justamente porque o mal entrou no mundo com o pecado (quebrando a harmonia da criação: cfr. Catecismo da Igreja Católica, nn 399 ss), Deus nos diz que o “mundo” não é bom e não deve ser amado: “Não ameis o mundo, nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai” (I Jo 2,15). De modo mais duro e categórico, São Tiago afirma: Adúlteros,. não sabeis que o amor do mundo é abominado por Deus? Todo aquele que quer ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus (Tiag 4,4).

            A que se referem São João e São Tiago? De que “mundo” estão falando? A resposta vem no mesmo capítulo segundo, citado, da Primeira Carta de São João: Porque tudo o que há no mundo − a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida −, não procede do Pai, mas do mundo (I Jo 2, 16).

            Está claro que a Sagrada Escritura, ao falar aqui de “mundo”, se refere à grande massa da humanidade não atingida pela eficácia da Redenção, pela graça (e, infelizmente, fazem parte dessa massa  os batizados que vivem habitualmente no pecado e favorecem os comportamentos e as estruturas de pecado). Portanto, o que há no mundo, tomado nessa acepção, é o predomínio do pecado e das conseqüências do pecado (original e pessoal): é o egoísmo e os desejos egoístas (concupiscências), que dominam e marcam as mentalidades, as ideologias materialistas, a vida social, os espetáculos, os meios de comunicação, o ambiente. É, pois, parafraseando S. João, a idolatria da carne: ter o prazer  − comodismo, gula, sexo, bem-estar material, etc.– como ideal e meta;  é a idolatria do que brilha aos olhos humanos: ambições, domínio, triunfo humano, dinheiro, posses; e é a soberba, o orgulho: querer ser mais do que os outros, ser o centro, e sobretudo ser o “deus” que escolhe, conforme “acha” e lhe “convém”, o bem e o mal (o ídolo da liberdade divinizada, que leva ao relativismo moral).

            Isto é o “que há no mundo” (I Jo 2,16). Não custa nada reconhecer que é uma descrição do que predomina na atual sociedade descristianizada, paganizada, pagã.

            -Pois bem, a respeito desse mundo, que é o ambiente atualmente dominante, Cristo nos diz claramente o seguinte:

            –Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia (Jo 15,18-19).

            –Em verdade vos digo, haveis de lamentar e chorar, mas o mundo se há de alegrar (…), mas a vossa tristeza se há de transformar em alegria (Jo 16,20).

            –(Pai,)…o mundo os odeia, porque eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os preserves do mal. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo (Jo 17, 14-16).

            Acerca do mundo, neste sentido, Cristo nos diz, pois, que “não somos” dele, não sintonizamos com ele, não somos dos “seus” (cfr. Jo 15,18): o que o mundo valoriza e ama é diferente, e muitas vezes é o exatamente o contrário, do que nós valorizamos e amamos; igualmente é diferente o que alegra o mundo e o que, a nós cristãos, nos dá a verdadeira alegria, fruto do Espírito Santo (cfr. Gal. 5,17). O antagonismo entre o mundo e Cristo, em muitos casos, é tal, que o espírito cristão, os critérios cristãos, a conduta cristã, o ambiente cristão, se choca com o mundo a tal ponto que lhe desperta o “ódio” e até um ódio mortal (ao qual Cristo se refere várias vezes como algo inevitável).  No atual mundo materialista e pagão, é visível, na mídia, nas escolas e em muitos ambientes culturais, uma crescente hostilidade contra a Igreja Católica, e até, abertamente, contra Cristo.

            C) Terceiro ângulo: O mundo é a “massa deperdita” (“massa de perdição”, de que fala S. Agostinho) que Cristo veio “salvar: Ele ama-o com amor misericordioso, como Salvador (“O Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido”: cfr. Lc 19, 10)

         Porque eu vim…para salvar o mundo (Jo 12,47) è Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele (Jo 3, 17) è Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (Jo 1,29) è

            Quando relemos a Oração sacerdotal de Jesus, pouco antes da Paixão, e em geral, as últimas palavras de Cristo, vemos que Jesus insiste em que é preciso que este mundo, que não conheceu − que não conhece −  o Pai (Jo 17,25),  saiba que tu(Pai)  me enviaste, e que tu os amaste [aos que crerem] como me amaste a mim (Jo 17,23)….  Mas, eles − os que o Pai ama e envia ao mundo −  não são do mundo, como também eu não sou do mundo…Como tu me enviaste ao mundo, também eu os envio ao mundo (Jo 17, 16.18); Pai…, que eles (discípulos) estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste (Jo 17, 21).

            Em continuidade com a missão de Cristo, que foi enviado ao mundo como Salvador (Mat 1,21; Lc 2,1), nós somos enviados por Cristo ao mundo para salvá-lo. Não é o mundo que salva a Igreja, é a Igreja que salva o mundo. Isso, que é óbvio, para quem conhece os ensinamentos e a obra redentora de Cristo, ficou incrivelmente obscurecido durante muitos anos (da década de 60 até meados da década de 80, com repercussões não pequenas até os nossos dias), e achou-se, na realidade, que a Igreja só seria salva pelo mundo: pelas “ciências humanas’, que seriam as novas “fontes de verdades salvadoras” (a sociologia, a interpretação marxista da história, o estruturalismo, a psiquiatria freudiana, a psicologia materialista, as filosofias imanentistas, o pan-economismo, a nova pedagogia, etc, etc.).  Durante mais de trinta anos essa inversão de valores prevaleceu em muitos ambientes eclesiásticos, e fez um mal muito grande, que só agora começa a ser reparado. É o que alguns chamam, com expressão familiar, o “falso pós-Concílio”, em contraposição ao “autêntico pós-Concílio”, este encarnado no sentido óbvio dos documentos conciliares, no Magistério de Paulo VI e de João Paulo II, e na vida fecunda de muitos santos, instituições, movimentos e iniciativas apostólicas dos nossos dias − autênticos expoentes da renovação pós-conciliar, surgida da eterna juventude da Igreja (e não dos espasmos  pueris, contestatários, dos que encararam e ainda encaram a “renovação” conciliar como pretexto para uma “revolução adolescente”, consistente − como toda crise de imaturidade − em criticar tudo o que foi ensinado e feito anteriormente na Igreja).

            D) Quarto ângulo: o mundo não é a realidade única, definitiva, última: é somente a “penúltima”:  Esta é uma verdade que a pregação e a catequese sempre tiveram em primeiro plano, pelo menos durante mil e novecentos e sessenta e tantos anos,  e que faz uns 40 anos vem sendo silenciado quase que completamente… Quantas homilias foram ouvidas, nos últimos 40 anos, sobre as “verdades eternas”: Morte em estado de graça, Céu, Inferno, Purgatório…?

            A realidade última é a vida eterna   … Isso não se pode esquecer nunca…

                        = Cristo deixa claro que Eu dou a vida eterna  (Jo 10, 28) … Na hora da Paixão … da Redenção…: Jo 17, 1-2:  …. Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique a ti; e para que, pelo poder que lhe conferiste sobre toda a criatura, ele dê a vida eterna a todos os que lhe entregaste […] Pai, quero que onde eu estou estejam também comigo aqueles que me deste, para que vejam a minha glória que me concedeste, porque me amaste antes da criação do mundo (Jo 17, 1-2. 24).

            3. Essas premissas, nos permitem ver muito claro como um sacerdote deve ver o mundo.

            Essa “clareza” é especialmente necessária para os novos sacerdotes, porque durante mais de 30 anos, muitos presbíteros tiveram a infelicidade de ser desorientados e − muitas vezes sem culpa, pela pressão do ambiente − não viram o mundo como Cristo o vê.

            Falou-se muito de que o Concílio Vaticano II abriu a Igreja ao mundo, debruçou a Igreja sobre o mundo. Mas muitos acabaram entendendo isto de modo falso: pensaram erradamente que a Igreja, com a sua doutrina, a sua , a sua moral, se tinha enclausurado, fechado em si mesma, embolorado, e, assim, perdia o mundo moderno, que andava por outros rumos. A solução parecia, então, mais do que vitalizar as autênticas raízes da Igreja, “entrar” nos rumos do mundo, que assim marcaria a pauta, a “verdade histórica”. A solução seria, pois,  “mundanizar-se”, “secularizar-se”, a fim de a Igreja ser bem aceita. Esses ( que foram “legião”) acabaram −como dizia Jacques Maritaincaindo de joelhos diante do mundo. À mundanização uniu-se, inevitavelmente, a adoção dos “critérios” do mundo: ´A norma suprema do mundo − diz Maritain − é o êxito. a norma suprema da Igreja é a Verdade”.

            Em face dessa tentativa de atrelar a Igreja à locomotiva do mundo − que teve muito de inautenticidade e de descalabro − convém lembrar qual era a verdadeira “abertura ao mundo” que o Beato João XXIII pretendia ao convocar o Concílio Vaticano II. Na Constituição Apostólica Humanae salutis, de 25-XII-61, convocando o Concílio Vaticano II, João XXIII dizia: “O próximo Concílio, portanto, reúne-se, felizmente, no momento em que a Igreja percebe, de modo mais vivo, o desejo de fortificar a sua fé e de se olhar na própria e maravilhosa unidade; como, também, percebe melhor o urgente dever de dar maior eficiência à sua forte vitalidade, e de promover a santificação de seus membros, a difusão da verdade revelada, a consolidação das suas estruturas.  Será esta uma demonstração da Igreja, sempre viva e sempre jovem, que sente o ritmo do tempo e que, em cada século, se orna de um novo esplendor, irradia luzes novas, realiza novas conquistas, permanecendo, contudo, sempre idêntica a si mesma, fiel à imagem divina impressa em sua face pelo Esposo que a ama e protege, Jesus Cristo(sublinhados e grifos nossos).

            E, no discurso de abertura do Concílio, em 11 de outubro de 1962, o Beato João XXIII dizia que o objetivo do Concílio era uma “renovada, serena e tranqüila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até o Vaticano I. O espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências; é necessário que esta doutrina, certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do depositum fidei, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance”.

            4.  É, portanto, missão do padre “ir ao mundo”, não para cair aos pés do mundo e lambê-lo como um cachorrinho que quer ser bem acolhido (e, menos ainda, para ser um líder mundano de uma política horizontal intramundana), mas para amá-lo com Cristo, levar-lhe a verdade de Cristo,  salvá-lo com Cristo e elevá-lo até a vida de Cristo, aqui e na eternidade; vida cristã, mensagem salvadora de Cristo, que, em muitíssimos aspectos, como já víamos, é diferente e até oposta ao que o mundo valoriza, vive e defende como ideais e bens.

            Basta pensar na Carta Magna  do Cristianismo, nas Bem-aventuranças: nelas se sintetiza o ideal que Cristo nos marca como caminho, e que é, em todas elas, o contrário dos padrões e das máximas do “mundo”:  − Cristo proclama “felizes os pobres”, e o mundo diz “felizes os ricos que têm e consomem”; Cristo diz “felizes os mansos e humildes” e o mundo diz “felizes os dominadores, os que não se curvam a ninguém, os que brilham, os prepotentes”; Cristo diz “felizes os que choram (lágrimas de penitência, ou de amor à Cruz)” e o mundo diz “felizes os que riem e bebem e fogem da dor e do sacrifício”; Cristo diz “felizes os puros de coração” e o mundo diz “felizes os que não têm entraves nem ‘preconceitos’ para toda a sorte de impurezas”; Cristo diz “felizes os que têm fome e sede de santidade (justiça)” e o mundo diz “felizes os que têm fome de realização, de sucesso, de triunfo egoísta”; Cristo diz “felizes os que são perseguidos por causa do meu nome” e o mundo diz “felizes os que são aplaudidos porque são abertos e tolerantes com tudo”, etc.

             Muito bem entenderam essas verdades os Apóstolos e os primeiros cristãos: Assim, por exemplo, São Pedro, àqueles que se converteram no dia de Pentecostes e perguntavam o que deviam fazer, falava-lhes da conversão, do arrependimento dos pecados e do Batismo, e exortava-os, dizendo: Salvai-vos do meio desta geração perversa (Atos 2, 37-40). E São Paulo dizia: Não persistais em viver como os pagãos, que andam à  mercê das suas idéias frívolas (Ef 4,l7). Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente (Rom 12,2). Fazei todas as coisas (…) a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo” (Fil 2,14-15), etc.

            Na nossa missão de enviados ao mundo, temos que ser, como Cristo, misericordiosos, compassivos com os pecadores, pacientes e compreensivos com seus erros, apóstolos sem zelo amargo. Mas, acima de tudo, temos que ser fiéis à Verdade e responsáveis por dar exemplo de santidade, de valores e virtudes cristãs. E, em qualquer caso, devemos aceitar de antemão que haverá incompreensões e que, mesmo que atuemos com infinita caridade, será inevitável que despertemos a hostilidade e a calúnia de alguns, talvez de muitos (pensemos no ódio com que muitos falam das posições da Igreja em defesa da vida nascente, do matrimônio, etc.). Cumprir-se-á o que Cristo anunciou: Sereis odiados de todos  por causa do meu nome (Mat 10, 22). Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia (Jo 15, 18-19).

            Não esqueçamos a vida dos primeiros cristãos, que são e serão sempre o nosso modelo. Os primeiros cristãos eram “chocantes”, mesmo sem querer sê-lo: a) Para alguns dos pagãos, eram ridículos (lembrar o grafite que pinta um cristão adorando um crucificado com cabeça de asno): não nos estranhe, pois, que quem procura viver o Evangelho, as Bem-aventuranças, seja visto como um ser “estranho”, “antiquado”, “ridículo”, exagerado e fanático pela mentalidade do mundo;  b) para muitos outros, os primeiros cristãos eram intoleráveis − sua pureza era uma bofetada na sua corrupção −, e o choque era de tal ordem que terminava no martírio.

            É interessante observar as referências que João Paulo II faz ao martírio em vários dos seus recentes e importantes documentos. P.e., na Veritatis splendor ( n. 90): Os mártires, e mais em geral todos os santos da Igreja, através do exemplo eloqüente e fascinante de uma vida totalmente transfigurada pelo esplendor da verdade moral, iluminam cada época da história despertando o seu sentido moral. Dando pleno testemunho do bem, eles são uma viva censura para os que transgridem a lei (cf. Sb 2,12), e fazem ressoar, com permanente atualidade, as palavras do profeta: ‘Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal, que têm as trevas por luz e a luz por trevas, que têm o amargo por doce e o doce por amargo”(Is 5,20).

            E também  na Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente, o Papa pede um exame aos filhos da Igreja: em que medida não estão eles também tocados pela atmosfera de secularismo e relativismo ético? E que parte de responsabilidade devem eles reconhecer, quanto ao progressivo alastramento da irreligiosidade, por não terem mostrado o genuíno rosto de Deus…? (n. 35). E, no n. 37, fala do martírio: A Igreja do primeiro milênio nasceu do sangue dos mártires (…); e acrescenta que nunca teria podido haver um desenvolvimento da Igreja como o que houve no primeiro milênio se não tivesse havido aquela sementeira de mártires e aquele patrimônio de santidade que caracterizaram as primeiras gerações cristãs.

            Agora, na nova evangelização, o espírito tem que ser o mesmo:

            a) fidelidade à verdade, ainda que custe, sem respeitos humanos. Aprofundamento sincero. Não “ideologias”, que não são teologia. Já foi feito muito mal por parte dos “teólogos-ideólogos”. O que precisa é de  e fidelidade (conclusão evidente para muitos após a crise lamentável dos EUA − acusações de “pedofilia”− no primeiro semestre de 2002);

            b) santidade de vida, cuidando, de modo muito especial, de não nos deixarmos envolver, dominar e cegar pelo mundanismo.

            5.  E, ao chegarmos a este ponto, vale a pena acrescentar mais algumas reflexões sobre esse perigo de mundanismo.

            Para o sacerdote secular (especialmente), esse perigo é duplo:

            A) Já falávamos do grave erro dos que pensam que se aproximarão do mundo adaptando-se a ele, inclinando-se diante dos seus “valores”, das suas modas, gostos, critérios e hábitos. Lembremos a corajosa retidão de São Paulo: É, porventura, o favor dos homens que eu procuro, ou o de Deus? Por acaso tenho interesse em agradar os homens? Se quisesse ainda agradar os homens, não seria servo de Cristo (Gal 1, 10);

            B) Mas precisamos ter também muito em conta outro perigo sério: o de confundir secularidade com mundanidade. Os sacerdotes seculares estão chamados a viver no mundo, não num convento, sujeito a clausura, à regra, ao Superior, etc (supõe-se aqui um convento de religiosos fiéis, observantes).

            A “secularidade” faz com que o sacerdote diocesano (o sacerdote secular) tenha ampla autonomia na sua vida íntima, interior (p.e., pode seguir a espiritualidade que quiser), uma grande liberdade na sua vida particular (não na sua vida pastoral). De fato, ele organiza livremente os seus horários privados de oração, de leituras e também os de lazer, dentro do que suas obrigações pastorais permitem (horas de dormir, de assistir tv − p.e., assistir novela ou filme ou nada −, de navegar na Internet, de eventuais jogos eletrônicos); ele escolhe − dentro dos limites das normas diocesanas, que muitas vezes nem existem − a que tipo de espetáculos assiste (futebol, cinema, teatro, ópera, concerto, etc); ele compra − dentro das suas disponibilidades − o que julga oportuno (desde alimentos de seu especial gosto− que o religioso observante não pode comprar −, passando por vinhos, e chegando até aparelhos eletrônicos, material de  telecomunicações ou multimídia de todo tipo, carro ou moto,  etc.); ele resolve o modo de aproveitar as férias; ele decide as viagens que − dentro dos seus recursos − queira fazer; ele convida à sua casa quem bem entende, etc.

            Tudo isto, sem dúvida, faz parte da autonomia “privada” de um “secular”. Mas nada disso pode fazer esquecer que, em primeiro lugar (e acima de qualquer “secularidade”), nós somos cristãos, e somos padres chamados a uma especial santidade e a uma especial identificação com Cristo; e temos um grave dever de exemplaridade, de sermos “tochas” acesas, que iluminam com a luz de Cristo.

            Por isso, é preciso não fechar os olhos e dar-nos conta de que muitas dessas “liberdades” seculares, teoricamente possíveis, na realidade, são formas de puro e simples “mundanismo”, manifestações das duas doenças graves da atual sociedade: o hedonismo e o consumismo; e que isso é incompatível com a santidade. É preciso ser sinceros e corajosos. Todo sacerdote e todo seminarista deve perguntar-se sempre, com muita sinceridade: essa minha atitude, essa dedicação do tempo livre, essa despesa, esse capricho, esse aparelho desnecessário, essa viagem, etc, será que está de acordo com o exemplo de Cristo? Cristo faria isso? Eu veria natural que Nossa Senhora, São José, ou que qualquer dos Apóstolos agisse assim? E ainda convém perguntar-nos: estas atitudes ou opções minhas, estão de acordo com o espírito das Bem-aventuranças, sem as quais não há santidade cristã nem exemplaridade sacerdotal?

            Não podemos pensar na secularidade como um salvo-conduto para viver “uma versão rebaixada do Evangelho”. Seria recair no antigo equívoco, hoje já totalmente ultrapassado, de que os que seguem Cristo de perto, a sério, com radicalidade, não são os seculares, mas exclusivamente os religiosos! Fica claríssimo no Evangelho que uma porção de mandamentos e de conselhos de Cristo, bem radicais (como negar-se a si mesmo, servir e ser o último, tomar a Cruz, obedecer até à morte, deixar tudo -“vai, vende tudo o que tens”-, ser dos que vivem  o celibato “pelo Reino dos Céus”, etc, etc), não são um programa “para religiosos”, mas simplesmente um roteiro evangélico da santidade cristã para os batizados que queiram levar a sério a sua vocação, sejam eles padres ou leigos, solteiros ou casados. Ou será que os Evangelhos, os Atos dos Apóstolos e as Epístolas − que evidentemente são “para todos”− não são “seculares”?

            Há muito que refletir neste ponto, pois, sem perceber, são numerosos os padres que se esquecem dessas realidades espirituais muito sérias. Julgam que, por não serem religiosos, já podem fazer tudo o que não seja, em si, “intrinsecamente mau”: e isto está completamente errado. Ninguém pode seguir a Cristo e ser santo sem viver − como já víamos − o desprendimento pessoal e o espírito de pobreza, sem tomar a Cruz, sem negar-se a si mesmo e praticar o espírito de sacrifício e a renúncia; sem ser generoso para com os pobres; sem viver sóbria e temperadamente, ou seja, sem renunciar a muitas coisas “lícitas”, por amor a Deus e ao próximo.  Neste sentido, o testemunho de todos os sacerdotes seculares santos é unânime!

            Enfim, o que procuramos fazer nesta palestra são reflexões simples, mas que podem fazer-nos − com a ajuda de Deus e de Nossa Senhora − um grande bem, agora e no futuro.

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