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Jesus,rosto misericordioso do Pai

JESUS, ROSTO MISERICORDIOSO DO PAI
QUARTO DOMINGO DA QUARESMA
Js 5,9.10-12; 2ª Cor 5,17-2;1 Lc 15,1-3.11-32
Queridos irmãos e queridas irmãs internautas, as leituras deste quarto domingo da Quaresma são um verdadeiro Oasis no deserto de nossa peregrinação quaresmal. Estamos findando o tempo da quaresma, o grande dia da Páscoa se aproxima. É tempo de avaliar que experiência da imagem de Deus estamos recolhendo desse período? Que reflexo de arrependimento e de mudança começa a florescer em nosso coração a partir deste tempo tão especial, que é de graça e conversão?

As leituras nos conduzem neste dia a uma nova imagem de Deus. A primeira leitura nos relembra que nossa vida nesta terra é uma páscoa, uma passagem cheia de promessa e carregada da presença bondosa de nosso Deus. Recorda-nos também que a Páscoa não é um fato isolado, feitos de ritos e formalidades, a Páscoa é o grande processo de nossa conversão interior, de nossa abertura de mente e espírito à presença infinita e bondosa de Deus, do alargamento de nossos horizontes para a proximidade de nosso Pai celeste, que “em Cristo nos reconciliou consigo”, tornando-nos criaturas novas, fazendo-nos passar do mundo velho do pecado, da revolta, do fechamento egoísta causador de tanta violência, para o novo mundo de Deus, a vida nova dada a nós em Cristo Jesus.
Somos felizes porque Deus se aproximou de nós. Fez-se semelhante a nós em tudo, exceto naquilo que nega o homem ao próprio homem, isto é o pecado, a realidade que destitui o homem de sua dignidade de ser imagem de Deus, de participar e partilhar da semelhança de nosso Deus, de carregar em si os frutos do paraíso. É por isso que Jesus, nosso Deus e Senhor, não podia pecar, pois o pecado além de ser incompatível com o seu ser, negar-lhe-ia também a possibilidade maior de demonstrar amor a todo custo, pois o homem não se torna mais homem quando peca, quando é egoísta, quando sente inveja e por inveja destrói o outro, seu irmão e semelhante. O homem também não é mais homem quando ele carrega em si as sementes do ódio que divide e dilacera a vivência comum, quando é conduzido pelo desejo desenfreado de se auto-afirmar a todo custo, através de mentiras e trapaças.
O homem só é homem quando sabe partilhar da grandeza de nosso Deus, que lhe é íntimo, que lhe eleva, conduzindo-o a uma intimidade nunca vista, capaz de lhe curar todas as feridas trazidas pelo pecado. Por isso Deus precisava entrar na intimidade do pecado e destruí-lo por dentro, é por isso que: “Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus”.
Aqui está a radicalidade e o centro das leituras de hoje, a nova imagem de Deus que se dá em Cristo Jesus. O Concílio Vaticano II, neste sentido, recolhendo, por meio de um processo bíblico, a imagem de Deus, definiu Jesus de o “Sacramento Primordial de Deus Pai”. Tal definição é elevada e nos conduz a uma nova imagem de Deus, passamos a conhecer Deus a partir de Deus, pois “ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer” (Jo 1,18). 
Assim sabemos que Jesus pode nos falar de Deus, pois ele é a Palavra íntima do Pai, e por isso: sacramento. A palavra sacramento significa, em sentido teológico, um sinal visível de uma realidade invisível, de uma realidade maior. Paulo diz que Jesus é “a imagem visível do Deus invisível”. Em palavras simples, tudo o que acontece em Jesus, palavras e obras, tudo aquilo que ele faz nos revela Deus, o Pai em seu mistério. Quando Jesus se senta com as mulheres e prostitutas é Deus que quebra todo tipo de preconceito e distinções; quando ele perdoa um pecador é Deus que abre os braços para nos acolher; quando ele come com os pecadores e publicanos, é o Pai que se abre a cada pessoa e a acolhe com carinho e ternura. Veja como é grande o nosso Deus. Ele é Pai, ele nos ama, pois “em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação”.
Em que consiste esta nova imagem de Deus? Numa virada antropológica da visão de Deus, pois uma nova imagem de Deus leva-nos, por conseqüência, a uma nova percepção da imagem de nós mesmos. Ao definir Deus como amor e bondade, Jesus, na verdade, revela a si mesmo como a total e pura transparência de Deus. E deste modo ele nos revela o Pai através de e em sua humanidade, por isso, todo homem pode descobrir Deus através de gestos verdadeiramente humanos, gestos de bondade, gestos de ternura, gestos de misericórdia, tornamo-nos como que a “extensão de Deus”, quando praticamos o bem, quando de fato amamos como Deus nos ama, quando por graça somos capazes de perdoar, por isso, São Paulo chega a dizer-nos que somos “embaixadores de Deus”, quando carregamos em nós o mesmo “sentir e pensar de Cristo Jesus”, neste sentido, ele era tão humano, tão profundamente humano, que só podia ser Deus, ser para nós a transparência do nosso Deus, pois “quem o vê, vê o Pai”.
A partir destes passos bíblicos, podemos entrar no coração do evangelho de hoje. Trata-se de uma linda página das escrituras sagradas. Ela se consagrou também nas artes e nos livros, tornou-se também fonte de inspiração de grandes teatros, por isso seriam necessários anos e anos para comentá-la e ainda assim teríamos sempre surpresas. A liturgia de hoje teve o cuidado de iniciá-la com três versículos do início do capítulo 15, 1-3, que servem como chave de leitura da parábola. Com este passo Jesus nos revela o alvo da Parábola:
Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar. Os fariseus e os escribas, porém, murmuravam contra ele. “Este homem acolhe os pecadores e come com eles”. 3 Então ele contou-lhes esta parábola.
Esta parábola foi endereçada aos fariseus e mestres da lei, importantes representantes da vida espiritual e política de Israel, duas facções que criticavam Jesus, a todo o momento, por sua bondade e gestos de ternura e de amor incondicional para com os pecadores, os publicanos e as prostitutas. Esta intenção de Jesus se revela ao final da parábola, através da reação do filho mais velho e nas palavras do Pai: Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi encontrado”. Aqui está o nó da história.
Neste sentido esta parábola é um dom de grande vantagem para nós neste período de Quaresma, podemos fazer um sério exame de consciência para avaliarmos a imagem de Deus que carregamos em nós. Quando estas imagens do Pai e do filho mais velho, tão contrastante, se fixam em nossa memória, somos preservados da grande tentação de cairmos no servilismo ou na escravidão diante de Deus, no espírito de rancor e frustração, própria do escravo, ou na visão utilitarista e aproveitadora do mercenário, duas relações imaturas e cegas diante de Deus, portadoras de sofrimento e de desgraça para a nossa vida.
Estas tentações podem nos conduzir a um sentimento frio e calculista diante de Deus. É por isso que a Igreja nos oferece esta leitura justamente agora que estamos para terminar o nosso percurso quaresmal, e podemos nos encher do sentimento de vaidade, de inveja, sentimentos que muitas vezes se escondem e se escamoteiam sob o véu de uma piedade, mascarada de fidelidade e perseverança, mas que no fundo é fruto de nossa falsa imagem de Deus, pois não nos amadurece numa relação de intimidade e de conhecimento de Deus. A nossa vida continua impenetrável à voz misericordiosa do Pai, tentamos amá-lo, mas nosso amor é prisão e sufocamento, pois não somos felizes. E por quê? Porque não sabemos cultivar os sentimentos de Deus em nós. Fixamos-nos numa falsa imagem de Deus. E não é isto que Deus quer, pois uma falsa imagem de Deus nos leva uma terrível relação com o próximo, nosso irmão, conduz-nos a gestos de repúdio e de preconceito, que só causam divisão e feridas entre nós.
É necessário agir contra estes sentimentos – “agere contra” como dizia Sto Inácio de Loyola. Poderíamos lembrar aqui a rica expressão de Santa Teresa d’Avila que nos ajuda a sairmos deste beco sem saída: “Amo-te, ò Deus, porque és amor, amo-te porque é bom te amar; não te amo porque temo cair no inferno, nem te amo porque queira merecer o céu, mas amo porque sou feliz em te amar” (A frase é semelhante, falta-me os detalhes).
Sentimentos assim fazem perceber o olhar que revela-nos Deus de uma maneira totalmente nova e que nos conduz a uma nova relação com os outros, relação serena, pacífica, repleta de ternura, pois são vencidos os temores e as violências escondidas, próprias de um coração ressentido e não convertido, como o coração do filho mais velho da parábola. Mas, quando somos tomados do verdadeiro amor nos tornamos felizes, pois “no amor não há temor”. Por isso, a mesma santa podia tranquilamente rezar: “nada te perturbe, nada te amedronte, tudo passa a paciência tudo alcança…a quem tem Deus nada falta só Deus basta”.
É isto que o coração humano deseja, é isto que Jesus nos veio revelar, ao nos descortinar o véu que cobria o rosto do Pai, e que nos separava de Deus pela cortina de um coração duro e frio, mas que através de Jesus se escancarou para nós a nova imagem de Deus, que nos cura profundamente, e nos faz ser criatura novas, pois as coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo.
Assim a parábola de hoje é o convite de Deus para cada um de nós, para abandonarmos a falsa imagem de nos acharmos melhores que os outros, e até mais santos, é o chamado a sairmos de nós mesmos, da estreiteza de nosso coração frio e calculista, para tomarmos parte da alegria do Pai celeste. O filho mais velho, coloca-nos no perigo de uma interpretação errada de Deus, uma perspectiva muito comum a pessoas rígidas e escrupulosas, que se não corrigidas pode portar a tantos sofrimentos vãos e estéreis, pois nos faz ver Deus de uma forma “deformada” e até como um pai relapso e injusto. Mas as coisas não são assim. Pois esta parábola é a parábola da misericórdia, do pai misericordioso. Para quem é “justo” é anormal manifestar tanto carinho e bondade para quem cometeu o mal; mas Jesus quer nos incutir algo diferente, revela-nos que aqueles que perseveram no bem, e permanecem fiéis a Deus, está reservada uma alegria maior, não a alegria de receber, mas aquela de dar, “pois a mais alegria em dar do que receber”, e se permanecemos fiéis a Deus, não é porque somos fiéis e justos, mas porque Deus é bom e fiel conosco, nos preservando do mal: “pois sem mim nada podeis fazer”; e aquele que recebeu tanto deve dar tanto, deve multiplicar solidariamente o bem que recebeu, deve transformar tudo isto em bondade aos outros, pois “de graça recebeste, de graça deveis dar”. Somente assim podemos abrir o coração ao amor ativo de Deus, ao amor misericordioso de Deus, de estar com ele para acolher todos os outros, com o coração dele. Em poucas palavras, somos chamados a nos pôr do lado de Deus, cujos sentimentos são de pura misericórdia e de grande alegria para com o filho que retorna ao lar: “o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o, para comermos e festejarmos. Pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa”.
Eis aqui a finalidade da parábola, fazer-nos compartilhar do sentimento de condescendência e misericórdia do Pai celeste. Somente o Pai é bom, e sua bondade não diminui a sua grandeza e a sua grande firmeza, pois Ele é bom e misericordioso e ao fazer o bem, revela os nossos profundos sentimentos ainda não convertidos e rebeldes ao bem. Santo Tomás dizia que é “próprio do bem difundir-se”, Deus é bem supremo, sua misericórdia é sem fim, é por isso que muitas vezes parece contraditória, mas que maior contradição existe quando olhamos que o Infinito se fez finito, o eterno se fez temporal, o Autor de tudo se fez pequeno e humilde, o Todo poderoso se fez impotente na Cruz, o que possuía a Plenitude de Vida sendo Vida de toda vida, também passa “a experimentar a dor da morte e a força do inferno”, e tudo isso por puro amor a nós homens e para nossa salvação.
Isto que parece ser uma contradição só pode ser superado pela força da fé e compreendido pela força do amor e da misericórdia, quem nunca experimentou isto estará sempre incomodado com uma falsa imagem de Deus, conhecida somente pela razão e pelas vãs teorias, que no fundo são superficiais e estéreis. Quem um dia experimentou a força do amor e o laço da misericórdia divina, consegue entender o grande dom que é esta parábola do Pai Pródigo em misericórdia.  

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