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Caminhemos,olhos fixos em Jesus

Adoração ao Santíssimo Sacramento.

Queridos irmãos e irmãs internautas, neste tópico apresento a segunda parte do texto sobre “A Eucaristia: Mistério de Amor”. Neste texto nos centraremos na novidade da Eucaristia como fonte de vida e lugar da “Presença adorante de Nosso Deus”.

Como vimos anteriormente o sentido de “tomar o Corpo do Senhor” possui uma forma dinâmica e profundamente espiritual de transformação de todo nosso ser no ser eucarístico da nova humanidade, que é a Igreja. É justamente desta noção que podemos desenvolver o conceito de adoração.

A Adoração é uma forma de memória sagrada. Memória em sentido bíblico significa atualizar uma experiência de Deus, tornar presente um momento especial, numa dinâmica interior do espírito que se abre, através da graça, à totalidade da vida, algo que os místicos e contemplativos chamam de harmonia interior. Trata-se também da concentração do coração sobre aquele ponto no qual o Amor Eterno entra no tempo e o tempo se abre ao Amor Eterno.

Podemos chamar de um tempo especial, tempo de graça. E este tempo é a adoração, a entrega total de si, a abertura do espírito humano ao horizonte infinito de Deus que se abre a nós como forma de um futuro de paz, de beleza e de serenidade. Algo que a celebração eucarística sozinha não pode portar e nem tem a finalidade de ser. É por isto que a Igreja desde cedo percebeu que a Eucaristia é fonte de uma dupla forma de riqueza espiritual: aquela ativa de transformação da vida, do homem, das coisas, da criação, em ação de graças; e o outro aspecto é aquele da contemplação, onde a Eucaristia é fonte da intimidade mais profunda e rica do Deus presente em nós, que vai formando adoradores em espírito e verdade.

Como vimos acima, foi através de um processo lento que a Igreja descobriu a potencialidade da Adoração Eucarística. O Santíssimo era visto somente como reserva eucarística para os enfermos ou para os ausentes. Pouco a pouco começa a surgir entre os monges uma forma de perpetuar aquele momento da celebração eucarística como forma de estar mais presente na presença de Deus. A missa é uma ação (Actio = forma ativa), enquanto se celebra a missa não é possível um tempo especial, pois ela já é a própria forma especial da presença de Deus, tem seu ritmo, segue sua natureza de ritual, exige uma disciplina de toda a assembléia, requer a tonalidade daquilo que o Concílio Vaticano II chamou de uma “participação ativa, consciente e presente”, pois estamos diante da graça concreta do Deus que se faz dom para nós em Jesus. Isto exige um gênero diverso de participação, trata-se de uma participação reflexiva, disciplinada que nos torna aptos a compreender o aspecto visível do mistério e que na Idade Média se chamava de “obra operada objetivamente por Deus” – (ex opere operato). Mas isto não diz tudo. Diz o que Deus fez por nós homens e para a nossa Salvação. Mas não encerra neste ato todas as potencialidades do dom de Deus aberto a nós através da relação que Deus nos possibilitou em seu Filho Jesus.

Este aspecto objetivo e concreto do mistério requer então uma forma aprofundada de viver no mistério. Algo que a própria Missa não tem finalidade de oferecer, pois na Missa se realiza com gestos requeridos e próprios como sair do banco para receber o pão e o vinho, ingerir a eucaristia, retornar ao banco e depois de cinco minutos deixar a Igreja. Este ato não nos permite compreender o que de fato aconteceu conosco neste momento, sem contar que às vezes somos atordoados pelos tormentos e preocupações diárias. Sabemos, por consciência catequética e doutrinária que algo aconteceu em nós, mas não sabemos o que e como isto se realiza no mais profundo de nós mesmos. O que ocorreu na missa supõe aquilo que a Igreja chama de “idade da razão”, isto é, a capacidade racional de compreensão e assentimento do mistério, mas uma tal razão é frágil para termos uma vida verdadeiramente eucarística. Podemos até chamar este primeiro momento de pressuposto necessário da vida eucarística, que possibilita a atitude de recepção do sacramento, e isto faz um bem muito grande, mas não exaure tudo e nem nos dispensa de viver aquela tensão que Jesus faz com a Samaritana, revelando-nos a sede de Deus que tem sede de nossa sede por Ele, isto é a necessidade de superar a linha do puro ritual e entrar assim na fonte sacramental, fonte originaria do mistério Eucarístico, enquanto dinâmica de um Amor Eterno, trinitário e envolvente aponto de criar em nós as condições necessárias de sermos “os adoradores em espírito e em verdade, que o Pai deseja”.

Esta compreensão é muito importante, pois a adoração feita em espírito cristão é capaz de dilatar o nosso ser para vivermos a medida de Deus nesta terra, capazes de “compreender qual a largura, o cumprimento, a extensão e profundidade de Deus e de seu mistério”. Esta medida de Deus é a medida de Cristo: “Amai-vos como eu vos amei”; “Quem permanece no meu amor dará frutos de eternidade”. Esta graça interior da adoração nos permite a conformação a Cristo, a configuração de ser ao ser de Cristo, a reorientação profunda de tudo aquilo que somos à totalidade do amor que requer integralmente o nosso coração para sermos felizes.

 A dualidade de ação e contemplação

Na nossa vida de fé, enquanto crentes, temos a necessidade de dinamizar o nosso viver espiritual. Seguimos o fundamento de nossa fé: “O Verbo se fez carne e habitou entre nóse nós vimos sua glória, e desta glória recebemos graça sobre graça”. Isto nos revela que a nossa fé não é desencarnada e nem alienada. Ela, para ser cristã, deve ocorrer na vida e, através da vida, na história concreta de cada um de nós. Não é uma fé sem rosto, amorfa e inquietante, isto nos levaria a um profundo vazio e até mesmo a possibilidade de uma idolatria de nosso próprio ser projetado por nós mesmos.

Sem deixar de ser uma realidade do espírito: inteligência, afeto, imaginação, fantasia, memória; a adoração segue sendo a realidade mais profunda da vida humana, porque ela ocorre na carne do Verbo experimentado através de nossa própria existência, expressa pela boca, pelo canto, pelos gestos, pelo ajoelhar-se, pelo inclinar-se e, sobretudo, pelo silenciar eloqüente como fonte do diálogo interno e eterno com Deus. Neste sentido podemos dizer que a ação sacramental tende ao superamento de si mesma. Até porque ao definir-se como ato essencialmente receptivo do amor de Deus na Hóstia Consagrada, ela já contém em si um momento contemplativo que por sua vez tende a desenvolver-se para além do ato celebrativo. Esta consciência deve ser formada, exige docilidade e disponibilidade interior para deixar a mão do Senhor nos guiar pelas sendas de seu amor. É um caminho de paciência que nos tira da pura materialidade do comer e beber para a dimensão mais profunda do nosso espírito e da nossa existência, aberta a intimidade do nosso Deus que é mais íntimo que o nosso próprio íntimo –  “Deus interior intimo meo”. Este é o apelo mais profundo que o Senhor Deus nos faz ao se doar totalmente a nós.

O Salmista ao entender isto exclama com voz agradável: “Como é bom saborear a presença do Senhor, sentir a suavidade de nosso Deus e cantar salmos de louvor ao Deus altíssimo”, pois nesta presença penetrante e envolvente ele se deixa tocar pela beleza da Luz Divina, algo que amplia a nossa existência a partir de dentro. Tudo em nós torna-se luminoso: “Pois em vossa Luz contemplamos a Luz”. O que recebemos com a boca agora se torna palpável pelos lábios – (ad-ore = o que brota dos lábios, o que sai do íntimo). Trata-se do ato mais puro e genuíno que o homem pode oferecer a Deus. Deste modo, a realidade sacramental da presença eucarística sede lugar à experiência de difusão desta luz no mais profundo de nós, algo que somente a adoração pode nos fornecer.

Isto corrige uma idéia que se difundiu muito de um certo automatismo sacramental, totalmente indigna dos cristãos. Deus quer amigos, não empregados. Deus forma homens autênticos, não escravos. A graça gera filhos e não mercenários. Por isso a Igreja, a partir do segundo milênio, sempre reconheceu e recomendou a Adoração, porque ela torna o crente capaz de reconhecimento e gratidão pela ação sacramental, pelo dom recebido, a ponto de tornar-nos também: “hóstias vivas, santas e agradáveis a Deus, o nosso Pai”. Trata-se da tentativa de absorver e digerir pacientemente, pelo dom do Espírito Santo, isto que cada um de nós ingerimos materialmente.

Daqui somos capazes de tirar os verdadeiros frutos da graça eucarística que nos dilata à própria dimensão de uma vida que se faz e se torna eucarística: “Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.

Somente quem pratica uma tal forma de vida contemplativa, poderá receber, com o tempo, o dom sublime do estado de contemplação, o estado da paz interior, da serenidade de vida, da temperança das ações, do equilíbrio humano, da doação de vida oblativa e gratuita. O estado de quem sabe olhar a vida com olhos de Deus. Trata-se da pausa que aprendemos a dar-nos diante da vida frenética que nos assola diariamente.

É por isto que a descoberta do aspecto de Adoração Eucarística recebeu tantos realces por parte dos Papas e de tantas comunidades de vida e Congregações Religiosas, surgiu também a necessidade de eventos eucarísticos, Jornadas Eucarísticas, a formação de uma Missa para um momento especial de Cristo que passeia pelas ruas das cidades, como é o caso do “Corpus et sanguis Christi”. Tudo isto nos mostra que a Adoração Eucarística não é uma simples e periférica devoção na Igreja. Aqui esta a raiz dos Santuários Eucarísticos espalhado por todos os continentes, com a finalidade de ser um lugar aberto constantemente, onde o Santíssimo possa ser conservado em um ambiente agradável, limpo, organizado que propicie a adoração silenciosa e solene, ou viva e alegre, acessível a todos e envolvente pela própria natureza. Este lugar agradável e silencioso pode se tornar um refugio seguro para tantas pessoas necessidades de paz interior, de alegria profunda. A Igreja pede que haja neste lugar a disponibilidade de confissões para que realce o valor das grandes conversões. Quando uma pessoa entra em um ambiente assim ela sente a presença de algo que a envolve, que a enriquece, que a fortalece, pois ao entrar neste ambiente de adoração ela se isola dos rumores e das futilidades que nos circundam sempre, e abre em si mesma as possibilidades de um encontro profundo com Deus através do encontro com a Santíssima Eucaristia, e assim vai também se descobrindo a si mesma:

 Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!

Tarde demais eu te amei!

Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora de mim!

Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas.

Estavas comigo, mas eu não estava contigo.

Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem.

Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez.

Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira.

Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti.

Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz…

Oh eterna verdade, verdadeira caridade e querida eternidade! És o meu Deus, por ti suspiro dia e noite

Que eu te conheça, ó conhecedor meu! Que eu também te conheça como sou conhecido! Tu, ó força de minha alma, entra dentro dela, ajusta-a a ti, para a teres e possuíres sem mancha nem ruga. Daí-me pois conhecer mais para Vos conhecer melhor…

                                                                           Santo Agostinho

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