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A verdadeira alegria nasce da paz

Segundo Domingo de Páscoa – Fonte de toda misericórdia
At 5,12-16; Ap 1,9-11a.12-13.17-19; Jo 20,19-31
Querido irmão e irmã internautas, hoje a Igreja vive o momento de luz, de vida, de ressurreição. Para São Paulo a Páscoa é símbolo da vida nova, é o dia da luz, o dia da vida. Com a Páscoa, nós nos tornamos filhos da luz e filhos do dia. A oito dias da Páscoa a Igreja ainda vê ressoar a força do Cristo ressuscitado em seu meio, pois a ressurreição de Jesus nos traz muita alegria e muitas graças:a ressurreição passa a ser a virada mais impressionante na história da humanidade, pois ela passa ter efeitos profundos sobre a nossa existência. Tudo muda, tudo se transforma, tudo é renovado pela graça da vida nova vinda por meio de Cristo Jesus. É isto que a liturgia nos apresenta hoje em suas leituras, é isto que a Igreja nos propõe com a instituição da festa da Divina Misericórdia, que o Papa João Paulo II institui para toda Igreja neste dia. Podemos dizer com júbilo pascal que a nossa alegria nasce da paz que Cristo hoje nos concede, pois a primeira palavra de Jesus, que rompe o silêncio da morte e o abismo do vazio do nada sem Deus, é “a paz esteja convosco”. É a novidade do «Shalon» de Deus, não se trata de uma simples paz, mas da paz bíblica, prometida para o dia do Senhor, paz da presença constante de Deus em nossa vida, da vida plena, da vitória sobre a morte. Paz que nasce como fruto da verdadeira esperança de que um dia nossos limites condicionados pelo pecado seriam superados, de que a vida destruiria o poder da morte e de que o amor destronaria todo medo. Paz que é expressão da vida nova nascida da grande misericórdia do nosso Deus.
Contudo, está paz que nasce da morte e da cruz, como morte de toda morte e como transformação de toda realidade desfigurada pela dor, pelo sofrimento sem sentido, pelas tantas vítimas das muitas misérias que aprisionam ainda hoje a tantas pessoas, faz-nos refletir a necessidade de uma nova compreensão do mistério da ressurreição de Jesus Cristo. A Igreja sempre sentiu e viveu esta necessidade, as nossas comunidades ainda hoje reconhecem e anseiam por uma verdadeira compreensão deste mistério. Falamos de ressurreição e de vida nova; e o que vemos? Morte! Desespero! Falências familiares! Desistências vocacionais! Quedas no número de consagrados e consagradas! Misérias em países como o nosso que se diz cristão! Isto abre uma grande questão: Até que ponto somos homens da novidade cristã? Até que ponto a novidade da Ressurreição de Cristo fala ao homem de hoje e lhe abre ao novo horizonte de Deus? É este o centro das leituras deste segundo Domingo da Páscoa.
Na primeira leitura de hoje São Lucas descreve que tudo nasce como fruto da fé que provocava a união e reunião da comunidade dos santos (os batizados), que queriam viver da Palavra de Deus, alimentar-se da presença do ressuscitado, criando assim uma atmosfera interior de liberdade e amor entre os primeiros que aderiam ao cristianismo: “Todos os fiéis se reuniam, com muita união…Nenhum dos outros ousava juntar-se a eles, mas o povo estimava-os muito. Crescia sempre mais o número dos que aderiam ao Senhor pela fé”. Veja só: a fé é uma nova surpresa no seio da comunidade e da humanidade; ela está destinada a ser a semente de uma nova geração, semente de mostarda decisiva para a nova fermentação do gênero humano que nasce como comunidade de amor. Mas o que constatamos? Apesar de ser uma grande alegria, é estranho dizer, mas vemos que existe uma grande resistência em aceitar uma tal alegria, e assim preferimos a nossa tristeza humana.
A alegria divina nos conduz ao alto, eleva-nos, ergue-nos, nós, ao invés disso, preferimos as nossas seguranças, as nossas dependências, fomos programados a um mundo de medo, de frustração, de nos acostumar com a infelicidade e assim preferimos nos habituar com “esta realidade” que já se nos tornou familiar. Enquanto que a Ressurreição de Cristo é uma virada radical e um convite às palavras evangélicas de Cristo: “Não tenhais medo”; “Não se aflija o vosso coração”; “Não vos preocupeis”. É o convite à novidade da Paz que nasceu da nova presença do Deus vivente entre os mortos, como agora apouco cantou o livro do Apocalipse: “Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre. Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos”. Veja que lindo: Cristo ressuscitado é o Senhor da história, do tempo e da eternidade! É o Senhor que destrona o medo e vence definitivamente o império da morte!
Saber isso com a mente é uma coisa. Mas experimentar isso com o coração faz a grande diferença no coração de cada cristão. N’Ele e a partir de sua ressurreição, o homem colhe as primícias da vida nova da graça, experimenta em si mesmo a força da liberdade e da verdade. Torna-se uma pessoa livre, vê o mundo com novos olhos, nada mais lhe abala, nada mais lhe amedronta. Porque Cristo Ressuscitado é agora a porta definitiva de toda transitoriedade desta nossa história humana, cheia de provisioriedade. Ele é “o sacerdote vestido de túnica longa e cingido pela cinta de ouro” que nos dá a verdadeira segurança de viver como filhos da luz e filhos do dia. Pois n’Ele, como acabamos de proclamar, abre-se o selo da história, se desvela a realidade em sua profundidade, podemos pisar firmes, vencer o medo que tanto nos vence e nos aprisiona. E isto não é lorota, não é conto de fada. Somente quem não sabe o que foi o drama de Cristo na Sexta-feira Santa, somente quem ainda não experimentou a força da corrosão interior que o pecado nos causa, pode continuar tratando as coisas com superficialidade e assim nunca tocar o cerne da questão fundamental: O que realmente somos? De onde viemos? Para onde vamos? Que esperança nos cabe? Como eliminar o peso da culpa que toca a cada homem e que lhe pesa na vida? Ele mesmo nos responde a estas questões tão decisivas e importantes: “Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para sempre”. Quanta verdade se desvela nesta passagem. É a primeira tentativa de entender o acontecimento da Ressurreição. João continua a falar pelo jogo de imagens viventes. Mas o Evangelho entra de cheio na questão. A ressurreição é a decisão última do homem em relação ao seu destino final. É um mistério de fé tanto para os apóstolos quanto para nós. Mas como existiu resistências neles, também elas continuam vivas e atuantes em nós. Como então fugir desta situação?
Um autor antigo, do segundo século, uma vez escreveu: “Desapegue-se de sim mesmo, renuncie a tristeza que lhe pesa sobre o coração, porque a tristeza é a mãe da dúvida e do erro”. Aqui está o nó do Evangelho de hoje: “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. Veja só, o evangelista anota que as portas estavam fechadas. A barreira é enorme, a causa é o medo. E o medo é a fonte da grande tristeza daqueles homens. O medo os aprisionou. São Marcos observa neste sentido o seguinte: “Depois de ressuscitar, na madrugada do primeiro dia após o sábado, Jesus apareceu primeiro a Maria Madalena… Ela foi anunciar isso aos seguidores de Jesus, que estavam de luto e chorando. Quando ouviram que ele estava vivo e fora visto por ela, não quiseram acreditar. Em seguida, Jesus apareceu a dois deles, com outra aparência… Eles também voltaram e anunciaram isso aos outros. Também a estes não deram crédito. Por fim, Jesus apareceu aos onze discípulos enquanto estavam comendo, repreendeu-os por causa da falta de fé e pela dureza de coração, porque não tinham acreditado naqueles que o tinham visto ressuscitado (Mc 16,9-15).
O que podemos concluir sobre os apóstolos e deles aplicar a nós? Podemos observar o seguinte: sob o efeito da tristeza e do medo eles passaram a ver as coisas na obscuridade do amor próprio, das próprias ilusões e desilusões. E isto os frustrava. O medo os aprisionava tanto que eles não conseguiam ouvir outra voz a não ser a própria evidência da Sexta-feira Santa, daquele terror doloroso, que os frustrava e os tornava homens ressentidos, incapazes de ver as coisas sob a luz divina, sob a luz da ressurreição. Era necessário renunciar à tristeza para assim acolher a alegria divina, para acolher a fé. É este o sentido da entrada de Jesus hoje no cenáculo às portas fechadas, símbolo de todo medo e de toda tristeza que padecemos em nossa vida, em nossa sociedade, em nossa família, em nossa vida de consagrados e consagradas, rodeados de tantas violências e agressões.
É esta a entrada fundamental e o diferenciador da vida cristã autêntica. Nascemos para ser felizes, a felicidade foi semeada em nosso coração desde toda eternidade. Mas a expulsão do paraíso é o símbolo determinante de uma interrupção desta fonte dentro de nós, é a imagem falante de que algo nos bloqueou a nós mesmos, à nossa verdade mais profunda. De que deixamos de habitar na intimidade do amor e da confiança e nos trancafiamos na interioridade de nossos medos e tristezas. Por isso é necessário a presença de uma luz divina, a entrada de uma graça “de fora” que ilumine em profundidade o que já existe dentro. Aqui está o centro do evangelho: “Estando fechadas as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, por causa do medo, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. A Ressurreição de Jesus é fonte da alegria de nossa vida. Ela é fonte do irromper de uma nova situação interior e espiritual em nossa vida. As pressões continuaram a existir. O mundo de fora continuará tiranizando e amedrontando. Mas o mundo interior, a vida na sua profundidade desabrochará para uma nova plenitude. Porque Cristo, nossa Páscoa, se põe em nosso meio. Concede-nos a paz, abre-nos ao dom do seu Espírito, restabelecendo assim o perdão e a reconciliação com Deus e com os irmãos. Nada mais pode impedir o homem de beber da fonte do amor. Como canta o hino da páscoa:
“Ò admirável e profundo mistério!
O que pode existir de mais sublime
Que o pecado à procura da graça?
Que da morte nascer vida nova,
E um amor que aos temores desfaça?
 O medo anterior impedia aos apóstolos o surgimento do amor. Pois o medo torna as pessoas infantis, egoístas, narcisistas, profundamente carentes e por isso apegadas. Aqui estava o grande perigo do medo dos apóstolos de transformar toda a experiência de Cristo, de suas palavras de vida eterna, de sua transparência experimentada como algo do céu e da eternidade, como pura sombra, como pura aparência. Mas o amor venceu e desfez todo temor e todo medo. É por isso que a presença nova do Cristo ressuscitado causou a verdadeira metanoia na vida dos apóstolos, despertando-os para a verdade, para a luz, para a vida. Isso causa liberdade, que é a vida no Espírito e na verdade: “Encontrareis a verdade e a verdade vos libertará”. Só assim alcançamos o que nosso coração tanto deseja: sermos felizes. E a felicidade não é nada mais do que a experiência plena da liberdade interior, agora tornada possível pela Páscoa de Cristo, pela sua vitória sobre o pecado e a morte. Só em plena liberdade é possível amar. Quando amamos a vida, ou seja, a realidade, com todas as nossas forcas, então passamos a amar as pessoas com muito maior liberdade. E isto é fruto da ressurreição, da vida nova em Cristo, da experiência do novo Shalon.
Assim acontece com os apóstolos quando Cristo entra naquela sala fechada e assombrada pelo medo. Ele elimina toda fonte do medo, restitui a nova paz, devolve a alegria aos apóstolos. Tudo será diferente depois da ressurreição de Cristo na vida dos apóstolos, pois a ressurreição de Cristo liberta os corações de todas as tendências egoístas, colocando aí um amor generoso, fonte de paz e de alegria.
Tudo isto está fundado sobre a fé. A ressurreição nos comunica a fé na sua vitória, a fé na sua glória. No evangelho vemos que a fé não é uma coisa espontânea e simplória para os apóstolos. Sobretudo, se pensarmos na figura de Tomé, que não estava presente quando Jesus ressuscitado se fez presente no Cenáculo.
Aqui nasceu a barreira de Tomé, aqui se coloca ainda hoje as barreiras de tantos contemporâneos nossos, que acabam pondo condições para crer, condições que o próprio Tomé retém como impossível de se realizar. De fato ele diz: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. Tomé pede sinais. Mas os sinais são inspiradores, ele quer ver as marcas da paixão. Nisto se revela para nós um sinal maravilhoso na pessoa de Tomé, pois a ressurreição de Jesus não anula a sua paixão, não tira em nada o peso do drama da Sexta-feira Santa, a “experiência da morte de Deus”. O vazio que dali brotou dificilmente podia ser preenchido com historietas. A evidência daquele dia tenebroso não permitia idealizações e delírios. A ressurreição de Jesus, ao contrário, lançou nova luz sobre a paixão e Tomé pode ver com os próprios olhos a eficácia e o valor de toda a paixão. Para ele se descortinou o abismo da dor e do sofrimento camuflado de racionalismo e de dureza. Jesus assim venceu a morte e mudou todo o sentido dela. Transformou-a por dentro, introduzindo-nos em uma nova relação com Deus, o Pai. Ele se tornou assim, como gostava de se expressar Karl Rahner, o nosso “donde” e o nosso “aonde”, a fonte de nossa liberdade, a maravilha de nossa felicidade, pois ele é e sempre será o nosso “Alfa” e “Omega”, “princípio” e “fim”. Quem descobre esta verdade vive livre, se abre à felicidade, tornando-se participante da vitória de Cristo sobre toda morte: “Eu tenho a chave da morte e da região dos mortos”. Assim Cristo morto, já não morre mais e vivo nos concede uma vida que não perece.
É assim que Jesus ressuscitado vem ao encontro de Tomé. E o convida a tocar nas marcas de sua paixão, fonte generosa de seu amor infinito, que vai até aos extremos. E Tomé não cede, é vencido pela força da fé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”. Que belo contemplar as coisas a partir deste ângulo. Assim a cruz de Cristo se torna transparência da reconciliação entre nós e o Pai. Algo que se dá no Espírito do ressuscitado dado a nós como fonte da nova situação de paz e de alegria em Deus: “Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo”. A ressurreição é portanto fonte da vida no Espírito Santo, o qual faz com que aqueles que já foram reconciliados e nos quais “já nada existe que merece condenação”, podendo assim “aspirar tranquilamente a vida e a paz” (Rm 8,1.6). Assim podemos dizer que o mistério da páscoa é a fonte mais profunda de toda solidariedade. Foi isto que a Igreja antiga viu na própria figura da morte e da ressurreição de Jesus, na Cruz e no Domingo de Páscoa: a expansão do amor de Deus em todas as direções do mundo, os braços estendidos do Pai que a tudo quer envolver. Pois, como dizia São Cirilo de Jerusalém: “Na Cruz, Deus estendeu suas mãos – Páscoa e Pentecostes, o Filho e o Espírito, como dizia Sto. Irineu – para assim atingir os confins do globo terrestre”.[1] Assim a Cruz de Cristo se tornou o sinal da bem-aventurança de todos nós, que seriamos cristãos posteriores a Tomé. É são Pedro, que com palavras magníficas materializa esta grandeza cristã, quando nos diz: “Isso é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que no momento estejais por algum tempo aflitos, por causa de várias provações. Deste modo, o quilate de vossa fé, que tem mais valor que o ouro testado no fogo, alcançará louvor, honra e glória, no dia da revelação de Jesus Cristo. Sem terdes visto o Senhor, vós o amais. Sem que agora o estejais vendo, credes nele. Isto será para vós fonte de alegria inefável e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação” (1Pe 1,3-9). Veja que contraste, veja que alegria para nós. Jesus repreende a incredulidade de Tomé que queria provas para crer, Pedro elogia a nossa fé e o nosso amor a Cristo que mesmo sem tê-lo visto nós o amamos e sem que ainda o vejamos, nele acreditamos. É esta a fonte da vida inabalável, da alegria do céu, da vida eterna iniciada com a ressurreição de Cristo. Amém.
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[1] Cirilo de Jerusalém, Catequese XIII, 28 (PG 33, 805 B).

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