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II Parte: A revelação possui uma corporeidade sacramental

II Parte: A revelação possui uma corporeidade sacramental.
Queridos irmãos e irmãs internautas, iremos fazer o nosso segundo passo em nosso percurso da Revelação de Deus a nós. No primeiro momento, fomos convidados a nos lançar na beleza do Mistério Santo, agora somos desafiados a permitir-nos uma confrontação com nossas idéias sobre Deus. Sabemos que Deus não é uma idéia e nem a ela se reduz. Ele é amor! Por isso, Ele sempre se apresenta como convite. Entrar n’Ele é de certa forma nos despirmos de nós mesmos, dos nossos conceitos, tirar ventas de nossos olhos interiores, para que Ele mesmo nos fale ao coração, como um Pai, como Senhor de nossas vidas. Por isso precisamos, de vez em quando, rever os nossos conceitos e idéias padrões para não pintarmos Deus com nossas falsas pretensões. Façamos o nosso percurso em comunhão com toda a Igreja, coloquemos as nossas mãos nas Mãos da Virgem Maria e  assim estaremos firmes em nosso peregrinar! Tenha um abençoado percurso! E o desafio está aberto para que você, caro internauta, possa dialogar e confrontar com os rascunhos postos aqui. Um grande abraço!
1.O conhecimento puro nos engana, pois trai a realidade
O mestre sustentava que o mundo visto pela maior parte das pessoas não é o mundo real,mas um mundo criado pela suas próprias cabeças.
Quando um erudito veio para discutir sobre isto com o mestre,O mestre pôs sobre o pavimento dois bastões formando a letra T e perguntou ao erudito:
«Que coisa estás vendo?»«A letra T», respondeu o erudito.
«Realmente como eu pensava», disse o mestre.
«Não existe uma coisa como a letra T.
Pois a letra T é um símbolo que existe na tua cabeça.
Isto que está sob os teus olhos
São dois ramos quebrados
Em forma de bastões».
Esta história nos serve de lição ao trabalhar o tema da revelação. As vezes temos uma idéia fixa de Deus, o que nos leva a termos medo de nos confrontar com a realidade. Apegamo-nos a esta idéia de forma rígida, prendemo-nos a ela com tanta força que o que dela tiramos é somente nossas frustacoes e rancores escondidos no verniz de nossas pias inseguranças. Este segundo momento de nosso percurso quer nos introduzir no movimento dinâmico da revelação, na ação presente e constante de Deus que nos guia em nosso existir, seja qual for, com todas as dificuldades e obstáculos, o importante é fazermos o nosso caminho, através de nossa vida humana, sempre felizes porque rompeu-se o véu que nos separava de Deus, abriu-se uma ponte que se lança do abismo de nosso ser à morada acolhedora de nosso Deus.
Em Cristo Deus fez-nos passar da Sua imagem à Sua semelhança (Gn 1, 27)
Por que te desprezas tanto, homem, sendo tão precioso para Deus? Porque te desonras tu a tal ponto, quando Deus te honra pelo nascimento de Cristo na nossa carne? Por que procuras como foste feito, e não averiguas com que objetivo estás feito? Esta morada do mundo que vês não foi, toda ela, feita para ti? É para ti que a luz se espalha e dissipa as trevas, foi para ti que a noite foi regulada, para ti que o dia foi medido; para ti que o céu irradia esplendores distintos do sol, da lua e das estrelas; para ti que a terra está matizada de flores, de árvores e de frutos; para ti que esta multidão surpreendente de animais foi criada, no ar, nos campos, na água tão bela, para que uma triste solidão não estragasse a alegria do mundo novo. […]Além disso, o Criador procura o que pode acrescentar à tua dignidade; Ele deposita em ti a Sua imagem (Gn 1, 27), a fim de que esta imagem visível torne presente sobre a terra o Criador invisível, e confia-te a gestão dos bens terrenos, para que um tão vasto domínio não escape ao representante do Senhor. […] E o que Deus fez em ti pelo Seu poder, teve a bondade de o assumir em Si mesmo; Ele quis manifestar-Se verdadeiramente no homem em quem, até então, tinha aparecido apenas em imagem. Ele concedeu ao homem ser realmente o que anteriormente era apenas por uma simples semelhança. […] Cristo nasceu portanto para conferir toda a Sua integridade à natureza deteriorada.
(S. Pedro Crisólogo – 406-450), Bispo de Ravena, Doutor da   Igreja Sermão 148, sobre o mistério da Encarnação).
Toda relação humana com o outro se realiza através do corpo. Através da corporeidade a pessoa humana é aberta ao externo. Isto assinala um limite ao livre domínio pessoal, que o homem tem sobre si mesmo. O corpo por sua natureza revela e ao mesmo tempo esconde o mistério da pessoa. Em parte, queira ou não, o homem é aberto e acessível ao outro homem, uma vez que o corpo traz à tona o seu íntimo. Em parte, porém, se revela somente quando livremente o quer, eis ai porque a raiz da sua expressão corporal até um certo ponto é uma sua ação livre. Isto nos permite dizer que a revelação para ser razoável precisa assumir uma certa corporeidade, se quiser se comunicar e ser aceita. Este foi e será sempre o desafio da teologia fundamental aprofundar as possibilidades de Deus falar à história e na história. Aqui está o grande limite da escolástica antiga, o método racional e frio que perdurou por séculos na teologia da Igreja, e que compreendia a revelação como um transmitir de idéias precisas e altamente esquemáticas, mas contendo pouco ou quase nada da experiência humana. Foi este fato que levou a total falência da teológica escolástica do neo-tomismo, conhecida também como teologia dos manuais que freqüentemente não distinguia de modo preciso entre o modo própria da existência humana e a simples “presencialidade das coisas” naturais, tudo era posto num único saco.
K. Rahner e outros grandes teólogos do século XX, desafiaram tal método. Rahner continuou sendo escolástico, mas sua teologia aprofundou o tema do homem e da graça, ele conseguiu formular de maneira original a capacidade do homem ser “ouvinte da palavra”, lugar do encontro íntimo e profundo com a revelação.
A posição de Rahner não demorou para ter ressonância no cenário da Igreja de seu tempo, de modo provocativo, em seus escritos de teologia, Karl Rahner chamava a teologia a um sério repensar-se para assim mudar e renovar-se em seu próprio cerne. Deste seu apelo, dois renomados teólogos suíços: Johannes Feiner e Magnus Lohrer se empenharam de imediato num projeto de reestruturação dos tratados teológicos na famosa obra Mysterium Salutis, hoje com traduções nas principais línguas do mundo. É interessante ver a mudança de rota, trata-se de uma nova perspectiva da história da salvação. É neste sentido que a Mysterium Salutis podia contribuir e responder de forma decisiva a uma precisa instância e necessidade de renovação em campo teológico e, sobretudo, incidindo nova luz sobre o mistério da revelação. Karl Rahner pôde ver assim seu projeto intuitivo realizado de forma magistral num arco de dez anos apenas.[1] Ele já havia discutido com H. U. von Balthasar sobre a possível elaboração de um Esquema de uma dogmática
Assim num de seus artigos de Escritos teológicos de 1954 Rahner escrevia uma das suas intuições magistrais que eclodiu então na Mysterium Salutis: “A dogmática é um esforço da inteligência e uma ciência que deve servir ao próprio tempo[…] porque deve servir à salvação e  não à curiosidade teorética”. Aqui está então o ponto decisivo do giro teológico produzido pelo Concílio Vaticano II, que no discurso sobre Deus percebe a necessidade de duas direções para a teologia, para que ela seja viva e dinâmica: então a teologia precisa ser essencial e existencial: essencial, enquanto obra do pensamento; existencial, enquanto ligada fundamentalmente com a vida humana.
Deste modo, Mysterium Salutis é um marco representativo de mudança que se operou na transição da manualistica para uma teologia eclesial de orientação mas pastoral e histórica, manifestando assim os bons frutos da maturação de um longo processo de pesquisa e renovação da teologia católica iniciado desde os anos Trinta, e que pode ser assim caracterizado: a) uma teologia bíblica: que recupera os resultados do trabalho exegético e da ciência bíblica, com o empenho de superar os impasses entre exegese e dogmática; b) uma teologia histórica: que integra os dados das buscas históricas, sobretudo, nos estudos patrísticos e histórias dos dogmas, superando a limitação anterior da escolástica que se contentava em utilizar um simples florilégio patrístico no argumento ex Patribus (onde se citava os Santos Padres, com a finalidade de simplesmente fortalecer um pensamento fechado e pronto, sem compromisso com a vida e com a existência). Esta visão histórica também contribuiu para vencer a tendência maciça de uma teologia sem reflexão, feita à base de repetições dos documentos oficiais, que o padre Congar gostava de chamar de “teologia à moda Denzinger”; c) por fim, temos ainda uma teologia sistemática, que busca aprofundar os temas teológicos no horizonte da história da salvação, e que não privilegia somente as categorias de uma escola filosófica, mas utiliza, ao contrário, uma vasta gama de categorias teoréticas (personalistas, atualistas, existencialistas, ontológicas), com a finalidade de atualizar a mensagem cristã e de tornar significativo e relevante para a vida do homem de hoje.
É esta a razão do porquê a teologia de Rahner centrar-se sobre o homem, fazendo do homem um lugar teológico especial, mas o homem de Rahner e para Rahner é Jesus Cristo, origem e meta de toda a antropologia, e por isso cume da revelação no seu duplo sentido: de Revelador e de revelado – conteúdo e transmissor da revelação.
Tal teologia leva em consideração o valor do criado, uma vez que o homem pode ir a Deus através da criação, ele só pode chegar a Deus através e na criação, experimentando a Deus como fundamento absoluto da existência do criado. Agostinho já havia ressaltado este ponto em sua teologia:
Caminha pelo homem e chegarás a Deus. É melhor claudicar no caminho do que caminhar com desembaraço fora dele. Pois, quem manqueja no caminho, conquanto demore, chegará ao termo. Quem, ao contrário, vai fora do caminho, embora correndo, se afasta cada vez mais, do termo.[2]O sentido sacramental da revelação
A Fórmula.Um místico tornou do deserto.Os discípulos ao vê-lo imediatamente, lhe pediram: «Diz-nos: Como é Deus?».
Mas como podia exprimir em palavras,Isto que tinha experimentado no profundo de seu coração?
É possível exprimir em palavra a Verdade?Ao fim disse-lhes uma fórmula – mas toda imprecisa, toda inadequada –
na esperança de que alguns deles se sentissem tentados,a experimentar eles mesmos aquilo que ele mesmo (o mestre) tinha experimentado.
Estes (discípulos) se apoderaram da fórmula.E fizeram dela um texto sagrado.
Deste modo, impuseram-na a todos como um artigo de fé.
Enfrentaram grandes sofrimentos para difundi-la
Em países estrangeiros.E alguns mesmos chegaram a dar a própria vida por ela.
O místico ficou muito triste.
Teria sido melhor se ele nunca tivesse falado.
Como é importante superarmos o clichê do religioso, do pio. Muitas vezes vemos pessoas revestidas de uma pia religiosidade, mas que às vezes tem uma vida toda dissonante do evangelho. Pessoas assim tendem a justificar as próprias ações erradas, canonizam seus próprios pensamentos a respeito de Deus e da vida, buscam a todo custo normatizar a vida dos outros e correm sem fim em busca de recompensas do céu. Para elas, Deus não passa de uma fórmula, são pessoas infantilizadas na fé, não superaram a catequese inicial de suas vidas, ainda estão presas a uma teologia de bolso e de repetição. O pior è quando elas se sentem o máximo, com ar de arrogância ditam normas a todo momento, não se deixam corrigir, tem medo do confronto. O próprio Sto. Tomás de Aquino era muito cônscio desta dinâmica interior da necessidade de superarmos uma teologia das fórmulas, Tomás dizia que o objeto último da fé não é o grande número de artigos que confessamos. Necessitamos dele por causa de maneira histórica de conhecer, sempre parcial; seu objetivo é, porém, estar em relação com o próprio Deus, em sua absoluta simplicidade, como Mistério Santo (K. Rahner), como a Verdade Primeira em cuja direção somos conduzidos pela fé.[3] Do ponto de vista de nossa meditação podemos nos lembrar do princípio eloqüente de Sto. Tomás, que podemos aplicar a cada artigo de fé e a todas as fórmulas da nossa Igreja: “Actus autem credentis non terminatur ad enuntiabilem sed ad rem”. Que podemos parafrasear do seguinte modo: “O movimento do coração que crê não atinge sua meta na formula de fé, ma na própria realidade acreditada, isto é Deus, em seu Santo Mistério de silêncio amoroso!”.[4]A finalidade da revelação então passa a ser a de nos tornar homens e mulheres religiosos, felizes, com o coração ardente de humanidade. Humanamente falando não chegamos a Deus como pessoa, em si e por si mesmo. Somente com a graça podemos tornar-nos religiosos, não por nosso próprio mérito. A comunhão pessoal com Deus é possível somente e por meio de uma aproximação de Deus a nós. É isto que a teologia chama de vida teologal, e o ato deste encontro entre Deus e o homem, na fé a Igreja chama de revelação-salvação. Pois deste encontro surge a fé e a revelação, que da parte de Deus este encontro implica uma revelação que o manifeste; e da parte do homem implica a crença-confiança. Por isto que o encontro, visto da parte do homem, é o núcleo mais íntimo disto que se chama graça santificante. É por isto também que a revelação e a religião, isto é o encontro do homem criado, colocado no tempo, com o Deus incriado, são de natureza histórica, pois implica o empenho pessoal de Deus pela humanidade, não somente como o Criador que guia a história do alto da própria transcendência criadora, mas como Aquele que participa do jogo da história e vem a se colocar-se ao lado dos homens. Assim uma vez que a graça é um encontro pessoal com Deus, esta é feitora da história e, precisamente por esta razão, é sacramental. Pois é sacramental toda realidade sobrenatural que se realiza historicamente na nossa vida; é por isto que a ação de Deus «se faz história» porque se revela, e se revela tornando-se história.
Foi Agostinho que de forma magistral (Livro 44) expôs o fato de como a religião é tão antiga quanto a humanidade e quanto ao mundo. Ele dividiu esta realização progressiva da Igreja na história da humanidade em três grandes fases:
(1) – A «Igreja» do paganismo religioso;
(2) – a fase pré-cristã da Igreja de Cristo sob a forma do povo de Deus israelita;
(3) – e por fim, a manifestação prefeita da Igreja, a Igreja «dos primogênitos».
É por isto que se pode dizer que o cristianismo é fundamentalmente sacramental, e neste sentido já está presente de maneira vaga, mas todavia visível, na vida de toda humanidade religiosa.
A vida no mundo da criação recebe um sentido mais profundo se o homem se sabe posto neste mundo como alguém ao qual Deus se dirige pessoalmente. É por isto que o mundo criado torna-se um elemento (certamente ainda anônimo) do diálogo interior com Deus. Uma vez que a mesma vida do mundo pertence ao conteúdo da palavra interior de Deus, pois tudo foi criado por meio dele, através dele, com ele e para ele, e ele ainda sustenta tudo no seu próprio ser.[5] Isto traduz de maneira vaga algo disto que o Deus vivente sugere e sussurra pessoalmente aos ouvidos de nosso coração com a graça que nos atrai.
O paganismo religioso também tentou dar uma forma exterior à própria expectativa interior [mesmo Sto. Tomás de Aquino, seguindo uma longa tradição anterior a ele, chegava à conclusão dos «sacramenti mundi», nos quais reconhece um real elemento sobrenatural]. Este esforço para dar uma forma a uma intenção religiosa, profundamente escondida, mas autêntica, deu origem a um variegado de vida e de aspirações religiosas às quais, através da diversidade de suas modalidades e de suas manifestações, podem ser, todavia, reduzidos a alguns motivos religiosos principais. É difícil fazer um juízo de valor preciso que possa discernir o que de verdadeiro e o que de falso possa existir neles. Uma vez que não tendo o sustento de uma revelação especial e visível de Deus, estes se tornaram um emaranhado de religiosidade verdadeira, de humanidade, de fraqueza humana, de mal formação dogmática, e até de decadência moral até chegar a contaminação diabólica. Mas nada disse pode nos impedir de nos aventurar na bela experiência de adentrarmos no mistério do Deus Santo, que quis se auto-comunicar a nós, através de Jesus Cristo e hoje através da Igreja. Tudo isso nos foi propiciado pelo evento da Igreja, que de tempo em tempo renova sua própria convicção de revelação e de salvação. Mas devemos ainda termos a paciência histórica, acompanhar com docilidade os tempos de Deus e sua pedagogia, esperar a hora de Deus e da ação de sua força, que suavemente conduz os homens para a plenitude de vida e de realizações, sempre antenados naquilo que Karl Rahner já havia elucidado: “Certamente que passará  muito tempo até que a Igreja, que recebeu de Deus a graça do Concílio Vaticano II, seja a  Igreja do Concilio Vaticano II”.[6]——————————————————————————–
[1] A Mysterium Salutis que assinalou concretamente a via de renovação da teologia de escola para uma teologia de teor histórico-existencial, foi projetada nos anos de 1958-59, tendo como subtítulo: Novo Curso de Dogmática da história da Salvação, realizada em um decênio, de 1965 a 1976, em cinco volumes (com vários tomos cada um).
[2] Santo Agostinho, in Santo Tomás, LH III– T. C., 281.
[3] Tomás de Aquino, Summa Theologiae, q. 1, a. 7.
[4] Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 1, a. 6.
[5] Jo 1,3-4; Cl 1,15-20.
[6] S. Madrigal, Karl Rahner y Joseph Ratzinger. Tras las huellas del Concilio, Sal Terrae, Santander 2006.

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