Teologia da Graça

TEOLOGIA DA GRAÇA: Mistério da auto-comunicação pessoal de Deus a nós.
Tudo é Graça!
Querido irmãos e irmãs internautas, nesta semana de novembro (08-12/2010), eu estive na cidade de Jaciara, diocese de Rondonopolis, ministrando o curso de Teologia para leigos. Tratei do tratado teológico da graça. Foi uma experiência muito boa. Aprofundamos o tema, crescemos em espiritualidade. A graça toca o centro da teologia cristã, abre-nos diretamente à ação de Deus. Teresinha do Menino Jesus não cansava de repetir que «Tudo é Graça!». É neste sentido, que quero partilhar com vocês um pouco desta torrente de amor. O texto ainda está sendo montado, há muitas partes que faltam ser completadas, mas o fiz às pressas e com muito carinho, espero que possa ajudá-los e assim contribuir com nosso crescimento na fé, na esperança e no amor que se fez graça e habitou entre nós. Falar da graça é falar da beleza de Deus que salva o mundo, que restaura o homem, que lhe desvenda seu próprio mistério e o eleva ao mais sublime de sua vocação! Um grande abraço a todos (as) e bom percurso na graça de Deus! As observações serão bem vindas!

Teologia da Graça
Introdução
A palavra «graça» “caris” possui uma linda conotação lingüística. Os franceses a traduziram com um termo popular charme – beleza, acentuando assim uma dimensão intrínseca da palavra graça. Trata-se da superação do efêmero, do vulgar. No sânscrito antigo, a palavra graça estava associada à palavra elegância que significa “andar vestido do divino”, “vestir-se da divindade”. São Paulo não cessará de afirmar que o homem novo é o homem «revestido de Cristo», ornado com a graça dele. O homem agraciado é, portanto, o homem revestido de Deus. É o homem no qual se reconhece facilmente as marcas do eterno, onde repousam as virtudes de Deus. Portanto, “ser agraciado”, “estar na graça” relembra a condição fundamental do homem, sua orientação primeira, o destino último de seu horizonte aberto pela eternidade, tal fato recompõe um aspecto muitas vezes  afirmadas pelas várias filosofias antigas, que compreendia todo ser-existente como constitutivamente marcados pelo bom, belo e verdadeiro.
Somente assim o homem escapa da fugacidade vazia deste mundo, vence o tédio do não-sentido, supera a amarga dor da violência e do ódio e se lança sempre no destemido mundo do além-homem. Pois, a graça não é outra coisa senão a própria imanência dinâmica do auto-superamento que o homem faz de si mesmo, dada na mais plena gratuidade que o faz superar a si mesmo, sem precisar se ferir ou violentar-se, pois ela atua em nós conduzindo-nos em duas direções: a entrada no próprio intimissimo eu e a saída do eu em direção ao Tu supremo. “Por isto, o homem pode acolher a graça de Deus não como uma verdade a ele estranha, contraposta, heterônoma, mas como a verdade mais própria, mais íntima, não obstante ao fato de que esta jazia escondida no mais íntimo (dele e de Deus) de tal forma que eu não podia descobri-lo por si mesmo. E todavia o Deus que fala em mim é algo muito maior que o «meu eu melhor». Por isto que esta graça não é estranha aos meus ouvidos, ao contrário, ela é a coisa mais própria, mais íntima e mais próxima, ela é a minha verdade, a verdade sobre mim, uma vez que ela é a palavra que me desvela e me doa a mim mesmo”.[1]Deste modo, podemos dizer que a graça reveste-se das características primárias e fundamentais de todo ser, é aquilo que dá fundamento às coisas, que robustece o existir humano, que firma os passos do homem e lhe desvenda horizontes abertos ao infinito, lançando a ponte capaz de recobrir o abismo profundo entre o nosso existir concreto, neste mundo, e o projetar natural de nossa aspiração para a eternidade.
Também nas Sagradas Escrituras, o termo ganhou lugar na teologia da criação e na imagem do homem, revelada pela bíblia. O homem bíblico é reconhecido pelo primado da graça. O homem bíblico se reconhece criatura agraciada, participante da bondade divina. O Adão-homem é «o partner de Deus», o companheiro da graça divina, o amigo de Deus. E como Deus é a graça o homem participa desta graça primordial. São os laços da intimidade e da relação que estabelece a união profunda de Deus conosco e de nós com Deus. Era este o significado teológico inicial da compreensão bíblica do homem «imagem e semelhança de Deus».
Um «tratado» sobre a graça hoje
(1) O Caráter “sintético” e “universal” da Graça
Alguns aforismos
§ “Tudo é graça!” (Palavras que se atribui a Santa Terezinha do Menino Jesus! – Talvez pronunciadas em suas últimas conversas!)
Pode exprimir bem a vida do santo ou do autêntico cristão e também de todo homem justo!
Mas não se pode usá-la de forma simplista, como se ela justificasse tudo. De fato, não se pode negar as tristes experiências cotidianas da des-graça, do absurdo, do não-sentido, do pecado, da violência, expressões vivas daquilo que a tradição chamou de inferno, de aprisionamento do pecado e que não são graça!
§ 1 Cor 15,10. Paulo diz: “Pela graça de Deus sou aquilo que sou!”.
§ CIC 1997: “A graça é uma participação na vida de Deus. Introduz-nos na intimidade da vida trinitária”.
§ O Filosofo J.G.Hamann do séc. XVIII:
“O Ser que originário é VERDADE, o ser que comunicado/participado é graça”
§ Santo Tomás de Aquino: “Quando se diz que um tem a graça de Deus, se quer indicar um dom sobrenatural produzido por Deus no homem. Contudo, às vezes se denomina graça de Deus o mesmo amor eterno de Deus (STh I-II, q.110, a. 1).
Mas sabemos hoje que existe uma grande dificuldade em assinalar de forma precisa o conceito de graça, sobretudo pelo fato de que o termo é o mais denso de significado teológico, e Deus não se deixa aprisionar por conceitos e idéias. Mas é própria da teologia se arriscar numa linguagem possível, ainda que limitada e às apalpadelas do significado da Graça!   
¤ A palavra graça não goza de uma reputação unívoca no mundo moderno
“A palavra e o conceito da graça são hoje privados de significado no mundo que assumiu totalmente o caráter da autonomia do mundo e do homem”.
“Como sujeito dogmático a graça tornou-se fórmula estática, e até esclerosada da teologia. Palavra amorfa e estéril”
“Graça” parece associar-se ao mundo feudal, ao sentido de vassalagem, realidade que hoje é totalmente rejeitada pelo homem contemporâneo: Ela servia para exprimir a relação do superior que concede “graça” ao inferior.
O curso faz parte da área de teologia dogmática. Trata-se de um tratado de grande importância teológica.
§ Uma expressão que se aproxima da terminologia é a “caritologia” ou “gratologia”! Mas esta expressão não teve sucesso.
Na maior parte das escolas teológicas e também de autores renomados da teologia, o tratado da graça à intrinsecamente integrada ao estudo da antropologia teológica              òò
§ Assim, alguns se questionaram se era necessário e conveniente um tratado sobre a Graça.
Vários teólogos dizem que não é necessário. K. Rahner e E. Brunner são contrários a um tratado especifico (Rahner em um artigo de 1966: disse que o De gratia é muito particularizante e demasiado reducionista da Graça.).
Mas existe sérias motivações que fazem valer o tratado De Gratia, sobretudo, por focalizar-se no eixo Téo-antropológico da teologia
Questões assiais                    
– O que significa a dimensão religiosa da pessoa?
– Como se dá as condições de possibilidades da relação entre absoluto e relativo
Questões de bipolaridade
Trata-se da bipolaridade das perguntas que Diz respeito à relação entre Deus e o homem
A Graça – de fato – é a relação fundamental que Deus estabelece com o homem                               òò
Isto faz com que o tratado da Graça tenha particular relação com os outros tratados da teologia ð Neste sentido, o De gratia tem um forte caráter transdiciplinar e sintético.
(Além de aprofundar os tratados de: cristologia, mariologia, sacramentaria…ele ainda os implica)
Muitos se perguntaram sobre o porquê e a conveniência de intitular o curso “antropologia teológica – fundamental”? (Na escolástica o curso era chamado “De homine in Christo inserto”)
O nome “antropologia teológica” põe o acento sobre o homem tornando o homem  o «centro-início» da preocupação teológica ð impostação já viciada e semi-pelagiana!
O ponto de partida deve ser a relação de Deus com o homem
Assim, o título De gratia põe em relevo a centralidade teológica do curso, a dimensão misteriosa do agir de Deus em relação ao homem
(2) A subdivisão do tratado: parte bíblica, histórica, sistemática
§ O tratado possui três partes: (I) bíblica; (II) histórica; (III) sistemático-especulativa + introdução e conclusão.
Este esquema acima segue o esquema clássico da tradicional “escola romana” (2 metade do séc. XIX) e que foi abandonado pelo Concílio Vaticano II (OT 16).
Introdução
Deve-se lançar base o mais amplo possível ð Para poder salvaguardar o que está em jogo: a amplitude da graça.
Buscar estabelecer o objeto formal do nosso tratado sobre a graça (o ponto de vista de nossa reflexão).
(I) A parte bíblica
Aqui se busca as raízes da expressão, sua originalidade, seu fundamento e como a Sagrada Escritura em sua totalidade concebe o sentido da graça, tanto no AT quanto no NT (isto porque toda a teologia é um explicitar daquilo que está implícita na Sagrada Escritura, a revelação definitiva e autêntica de Deus (cf. DV).
(II) Parte histórica
§ Três épocas importantes: (I) patrística; (II) escolástica; (III) época moderna
§ Duas fontes: (I) magistério; (II) seleção dos pensadores mais representativos para a doutrina da Graça (São Paulo, S. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino e Martinho Lutero)
§ Dois planos: (I) – aquisição do vocabulário e dos conteúdos necessários para ser um “especialista” da graça.
(III) – ver a história como lugar do agir definitivo e revelativo de Deus em favor do homem (FR 12).
Neste sentido, não podemos nos satisfazer somente com a descrição das etapas, mas é necessário fazer buscar as conexões de sentido e significado supra temporais destas questões.
Isto nos permite fazer saltos dentro das etapas históricas, com inferências no nosso presente.
(Por exemplo, quando falarmos sobre Agostinho vira automaticamente um problema contundente de nosso problema que é a predestinação e que condicionou toda a perspectiva do Ocidente cristão)
§ A história não é somente entidade cronológica, mas essencial para o homem e para o agir de Deus em relação ao homem. – neste sentido, cabe a nós buscar o significado supra temporal de cada etapa para hoje.
– se procura colher também a relação genética e dialética ente as etapas ð a totalidade “sinfônica” (cf.H.U. von Balthasar)
§ Mais do que fazer contraste em cada etapa, buscaremos ver em cada etapa sua positividade! ð Otimismo de fundo.
(IV) Parte sistemática
§ Cinco elementos principais:
a)Graça divina como ação trinitária ð papel cristológico e pneumatológico da graça.
b)A graça e a Igreja-sacramento
c)A graça divina e a liberdade humana
d)A graça e a natureza humana
e)A questão da universalidade da graça (dado importantíssimo para o dialogo inter-religioso)
§ A base atual segue o esquema do Concílio Vaticano II, que prima sempre pelo otimismo fundamental: pois cremos que o agir de Deus em relação ao homem seja sistematizável, ainda que não exaurível, enquanto expressão do Logos divino que se manifestou de uma maneira racionalmente acessível ao homem
E também porque cremos com o Concílio Vaticano I que o pecado não danificou e nem destruiu totalmente a natureza humana, neste sentido cremos que a razão humana, ainda que limitada, foi capacitada para acolher a revelação de Deus (e isto é já uma obra da graça).
Por isso cremos também que o homem pode teologar, este fazer teológico já, pois o nosso Deus não é um absurdo, ele se deixa encontrar, compreender, ainda que de modo contingente e limitado.
Conclusão: “Experiência da graça”      ð Situar as dimensões da graça na vida de todos os dias – estruturada pelo espaço-tempo-razão e também pelas dimensões Divinas: que superam todo o humano.
Trata-se de duas dimensões difíceis de se equilibrar
Mas é necessário fazê-lo para não se cair na tentação demasiadamente abstrata.
Considerações terminológicas da graça
É interessante partirmos dos dados da Sagrada Escritura. Ali se estrutura a gramática do mistério da graça.
O termo graça no Antigo Testamento
O termo graça é utilizado na versão dos Setenta (a tradução grega da bíblia hebraica) como termo fundamental da compreensão do homem visto à luz da revelação divina. A LXX utiliza o termo graça para traduzir e sintetizar quatro expressões dinâmicas da ação de Deus na história e na vida dos homens.
1. O primeiro termo é hen: este termo expressa uma dupla dimensão, a primeira refere-se à atitude de IHWH em relação ao homem. Trata-se da atitude de benevolência, de perdão dos pecados e dos favores de Deus (Ex 34,6-7[2]; Ex 33,19[3]; Is 30,18[4]; Sl 40,5[5]; Sl 85,15[6]).
De outro lado, hen também serve para designar o homem que encontrou graça diante de Deus, que se encontra em situação especial aos olhos de Deus. (Jd 8,31-36[7] e Gn 33,5-11[8]). Neste sentido graça expressa o favor que Deus concede a todos aqueles que tem um coração humilde e reto.
2. hesed: Aqui temos uma expressão muito rica da Bíblia. Trata-se de um amor constante de IHWH, que se exprime em atos concretos em favor de seu povo Israel. A raiz do termo se refere à rocha, rochedo. A imagem é muito rica. Deus é o rochedo de seu povo: “Quem confia no Senhor é como o Monte Sião, nada o pode abalar. Tal e qual Jerusalém toda cercada de montanhas, assim Deus cerca seu povo de carinho e proteção!”. Este amor constante e concreto de Deus, a piedade judaica traduziu através do sentimento de confiança. E abriu Israel para a compreensão de um Deus de ternura e compaixão, no qual se pode apoiar os pés, onde se pode pisar firme. Por isso, a palavra hesed passa a exprimir sorte, benevolência, misericórdia, bondade, salvação de vida, amor (Gn 19,19[9]; Gn 24,12[10]).
3. rahamim: deriva de raham (vísceras maternas) com esta expressão os judeus passaram a indicar a ternura de IHWH, comparada àquela de uma mãe com a criança que ela traz em seu seio, ou nos primeiros meses de vida, tentando assim exprimir a força da compaixão e misericórdia que o homem recebe de Deus através do perdão dos pecados. Tudo isso ele fez “Para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se da sua santa aliança (Lc1,72-73), … E tudo isso ocorre: “Graças ao misericordioso coração de nosso Deus, pelo qual nos veio visitar o Astro das alturas” (Lc 1, 78).[11]4. ahaba: aqui a expressão hebraica tenta exprimir uma relação de comunhão entre IHWH e Israel fundada sobre o amor-aliança. A imagem é tirada da relação homem-mulher, no sentido bíblico a expressão tenta exprimir a intimidade de Deus conosco.
Portanto, para o Antigo Testamento o termo graça exprime um dom especial de Deus, dom que estabelece aliança, que faz nascer uma relação de intimidade, que fortalece laços profundos entre Deus e Israel, símbolo da humanidade eleita. Porém, o termo contém também um limite, pois ela não consegue sanar e transpor o profundo abismo que existe entre Deus e o homem. Somente pelo recurso da analogia se pode aproximar estes dois mundos, do céu e da terra. O próprio relato da Criação é uma tentativa de recobrir e de manter esse abismo intransponível entre o céu e a terra. O mesmo Deus que cria Adão e com ele passeia no Jardim, é aquele Deus que se encontra no repouso sabático, que pede a Moises o descalçar-se das sandálias e que se mantém em luz inacessível.
O termo graça no Novo Testamento
Nos livros sinóticos
Nos livros Sinóticos o termo Graça é usado raramente, mas o conceito fundamental de graça é expresso por meio de dois termos próximos:
a) Reino de Deus: Trata-se de uma expressão muito usada por Jesus. Ela revela uma novidade na história de Israel. Neste sentido, Reino de Deus nas pregações de Jesus exprime um dom gratuito concedido por Deus ao homem, trata-se de uma nova ordem posta no coração da própria criação, graças à qual o homem pode entrar numa nova relação com Deus mesmo. Deste modo, Jesus apresenta a iminência do Reino de Deus, a sua proximidade, o seu avizinhamento da humanidade.
Este Reino anunciado como próximo, traz duas conotações interessantes. A primeira, ele é iminente, ele irrompe do centro radioso que é a própria vida de Cristo, suas palavras, seus gestos, seus milagres, toda a sua vida. A segunda, serve para designar a novidade da presença física e histórica da nova condição de Deus em Jesus. Uma novidade tanta nova para Deus quanto para nós.
Na verdade, trata-se também de um termo revolucionário. A palavra graça provoca conversão, mudança de mentalidade. Israel (representado na vida dos apóstolos e discípulos, pecadores públicos e mulheres de má fama) se encontra numa nova situação. A conversão já não é mais fruto de uma mudança de atitudes que tem a força de atrair a bondade de Deus (pregação de João Batista: “O machado está posto a raiz, quem não der fruto de conversão será posto fora!”). Para Jesus, anunciar o Reino é anunciar a maravilhosa experiência humana de Deus na história. Onde Deus aceita partilhar conosco o mesmo destino, as mesmas labutas diárias, as nossas alegrias e esperanças humanas, e também nossas angustias e tristezas. Nada passa indiferente ao Reino de Deus. Aqui a novidade é radical. Sem merecer e profundamente necessitados, Deus se aproximou de nós, não só na relação e na benevolência, na bondade e nos favores, mas na radicalidade do existir humano, na partilha da mesma existência. Eis a grande revolução. Isso será loucura para uns e escândalos para outros.[12] O homem quer merecer a graça, Cristo anuncia que ela é gratuita e livre. O homem quer comprar o favor divino, Jesus diz que ele não a comercializa, mas a doa, todos os dias e a todos. O homem a mede por suas relações de trocas e vendas, Deus a oferece sem custo algum. O homem seleciona por processos discriminatórios e excludentes, elaborando assim a teologia dos escolhidos de Deus, Jesus rompe com todo tipo de proselitismo doutrinário e seletivo, que só serve para dividir os homens. Agora a graça é de graça e dela todos podem se aproximar. Não é mais a força da pregação judaica, repleta de moralismo que se presume capaz de atrair a bondade e a benevolência de Deus, o que Jesus mostra é o contrário, toda conversão e mudança de vida, todo bom fruto já é conseqüência de Deus presente em nós, de Deus atuando na nossa história e em nossa vida (Mc 1,15[13]).
Deste modo, a palavra graça sofre uma revolução interna, recebe uma nova configuração capaz de preencher o abismo intransponível que o Antigo Testamento não conseguia cobrir. Graça não é mais um dom, ou um presente, um favor que os eleitos merecem por causa da retidão de suas vidas santas, graça expressa o centro de toda teologia cristã, revela que Deus entrou gratuita e livremente em nossa história, que Deus decidiu compartilhar o nosso destino humano se auto-comunicando e se auto-doando a todos nós. Eis aqui o sentido sublime da expressão Reino de Deus. Deus se alegra em oferecer aos homens o seu Reino. É, por isso, que para entrar neste Reino se exige a atitude radical de se tornar como crianças. Com o Reino nasce a metanóia, a mudança de mentalidade, e um crescimento na santidade. Agora a relação entre Deus e o homem não é mais aquela da justiça e da retribuição, que foi se desenvolvendo em Israel pelo conceito e pela imagem do Deus justiceiro, e que os profetas insistiam em corrigir mas sem muito sucesso.

Em Jesus, a expressão reino inaugura a nova relação do homem com Deus, relação de paternidade, de filiação, de intimidade ontológica e portanto afetiva, entendida no Novo Testamento como participação na vida divina. Não existe mais aquele abismo que separa o homem de Deus, Jesus se torna a ponte, o acesso imediato, mediante sua humanidade. Podemos até dizer que graça traduz o novo modo de ser e de existir do homem, pois com a graça compreendemos que tudo aquilo que toca o homem, toca a Deus e aquilo que fere o homem fere também a Deus.

b) Amor de Deus – Outra expressão que se aproxima do conceito de graça é «Amor de Deus»: Trata-se do dom universal de salvação que abraça todos os homens, a todos envolve, não somente os bons, mas também os maus, não somente os justos, mas se endereça sobretudo aos injustos (Mt 5,45[14]). Esse «amor de Deus» se exprime no perdão dos pecados e é o suporte contínuo com o qual Deus ampara o homem em seu caminho diário (teologia da providência divina).

Se estivermos conscientes de tudo isto, poderemos, com efeito, evitar uma noção errada e deformada da graça que só levou a problemas hermenêuticos e apologéticos no início do século XX, onde se via a graça como uma verdade alheia ao homem, um meteoro vindo de fora e portanto totalmente isento de correspondência no homem. Tal concepção fez com que o racionalismo dos séculos passados negasse todo caráter sobrenatural da graça, pois lhe parecia uma verdade agressora e violadora da autêntica autonomia humana. Afirmar o dom positivo da graça de Deus, correspondia para alguns escolásticos como uma negação de qualquer tipo de autonomia humana. Os teólogos do século XX nos ajudaram muito a superar uma visão heterônoma da graça, vejamos o que diz von Balthasar a este respeito:

«O homem não pode ser em nenhum ponto perfeito sem aquela relação que o realiza… uma vez que o homem é aquele ser que foi criado para ser ouvinte da palavra e que se eleva em sua própria dignidade com a resposta a esta. Pois, em sua mais íntima essência ele é concebido dialogicamente (…). O homem é o ser que tem no coração um mistério maior do que ele mesmo. É construído como um tabernáculo entorno a um sagrado mistério. Quando a palavra de Deus deseja habitar nele, ele não deve ir em busca do próprio centro. Pois, a sua mesma máxima intimidade é disposição, escuta, percepção, vontade a dar-se e confiar-se a isto que é maior do que ele e a fazer valer a verdade que é mais profunda do que ele… e assim libertá-lo para torná-lo habitação do Espírito Santo. Mas não é necessário criar o espaço: ele já existe. É o espaço central do homem de sempre… Neste sentido, esta relação do homem com a palavra de Deus é sempre, ao mesmo tempo, duas coisas: a entrada no próprio intimissimo eu e a saída do eu em direção ao Tu supremo (…). Por isto, o homem pode acolher a palavra de Deus não como uma verdade a ele estranha, contraposta, heterônoma, mas como a verdade mais própria, mais íntima, não obstante ao fato de que esta jazia escondida no mais íntimo (dele e de Deus) de tal forma que eu não podia descobri-lo por si mesmo. E todavia o Deus que fala em mim é algo muito maior que o «meu eu melhor». Por isto que esta palavra não é estranha aos meus ouvidos, ao contrário, ela é a coisa mais própria, mais íntima e mais próxima, ela é a minha verdade, a verdade sobre mim, uma vez que ela é a palavra que me desvela e me doa a mim mesmo. Neste sentido, a Palavra de Deus que se volta para nós pressupõe sempre uma Palavra de Deus em nós (aqui temos a dimensão dialógica de imanência e transcendência divina), enquanto nós somos criados na palavra, e deste lugar nós não podemos nunca nos separar (…) Por isto que a Escritura não é um sistema de verdade, mas é a narração do encontro de Deus com os homens».[15]

Estas palavras de von Balthasar nos ajudam a compreender a pedagogia com que Deus conduz a história do mundo, tornando-a história de salvação e palco da revelação de sua graça, até que possamos chegar ao tempo da plenitude, tempo em que Deus fala-nos de uma vez para sempre em seu Filho único, Jesus Cristo, Verbo feito carne, sem nos agredir, sem nos violentar, mas numa relação que nos ajudou a encontrarmo-nos n’Ele e Ele em nós. Este pode ser um caminho de acesso antropológico da presença de Deus em nós, que possibilita nos transformar por dentro, nos assemelhar a ele, com gestos totalmente humano, pois Deus é plenamente Deus onde o homem é plenamente homem.

No fundo o que von Balthasar iluminou de forma magistral foi aquela intuição de Sto. Tomás sobre a conaturalidade da graça divina. Onde se pode perceber que existe um acordo entre Deus e o homem na própria estrutura de nossa natureza. É necessário que esta intuição da natureza humana seja esclarecida para nós. Pois a intenção de Sto. Tomás era de justamente possibilitar uma linguagem honesta de Deus em linguagem humana, mas hoje sabemos o quanto é difícil o encontro entre Deus e o homem, porque é necessário vencer a distância infinita entre o Criador e a criatura; mas, ao mesmo tempo, podemos afirmar, com os devidos estudos e profunda cautela, que a graça cristã é palpável e vivível, porque se realiza na carne do humano. É isto que o Concilio de Florença tentou expressar quando nos falou da revelação em linguagem analógica:
“O termo “um” referido aos fiéis se deve entender no sentido de união de caridade na graça, enquanto referido às pessoas divinas indica a unidade de identidade na natureza, (…) Assim cada um a seu modo. Pois entre o criador e a criatura não se pode observar tamanha semelhança que não se deva observar diferença maior ainda”.[16]Neste sentido, a graça enquanto dom primordial da auto-comunicação de Deus em Jesus nunca poderá ser exaurida (esgotada) na linguagem humana, pois, a compreensão dela pode sempre crescer.
A Graça em São João
No Evangelho de João, o termo caris – “graça” é usado raramente, mas, o mesmo evangelista se utiliza de outras expressão para significar o acontencimento da graça do NT:
Vida Nova: nova realidade presente no homem, que o transforma interiormente (Jo 3,16[17]). O próprio Cristo é a fonte da graça (Jo 5,21[18]) e a comunica aos homens (Jo 10,10[19]); mas é necessário que o homem renasça da água e do Espírito Santo, aqui João retoma o tema da criação, o Espírito, a Ruha de Deus que fecunda as águas no início da criação, viver da graça é viver desta fecundidade (Jo 3,5[20]). Graças a este novo nascimento o homem permanece em união com Cristo e pode agir em união com ele (Jo 15,5[21]). Esta nova existência em Cristo está conexa com a recusa do pecado e surge como conseqüência da seqüela Christi.
Esta nova participação do homem na vida de Cristo torna o homem forte em seu combate diário contra o pecado. Neste sentido, João faz um salto impressionante da compreensão da graça, segundo São João a vida nova não é somente ausência de pecado, mas sobretudo vida de amor e de esperança (1Jo 5,1-2[22])
Outro termo caro a João é luz: Jesus é a verdadeira luz que ilumina as trevas, que indica aos homens o caminho em direção a Deus.
Neste sentido, São João coloca Luz ao aspecto interior da graça como dom de Deus que cancela os pecados e santifica o homem.
A graça nas cartas paulinas
Nas cartas paulinas o termo Caris é usado freqüentemente e recebe assim um papel importantíssimo, tanto que Paulo foi definido como «o teólogo da graça». Paulo é um autor de grande fôlego teológico. Sua inspiração é central. Ele toca no cerne da questão, tenta traduzir em linguagem bíblica, sua experiência primordial de Cristo. De perseguidor, torna-se discípulo: “pela graça de Deus, sou aquilo que sou”. Tal afirmação expressa sua abertura a uma nova situação de vida. Ele não deixará de ser polêmico, suas pregações serão sempre carregadas da necessidade de conversão. Traduz a polaridade das duas vidas, de um lado está a vida velha, do pecado e do fechamento a Deus, produzido pela distância do paganismo – os pagãos vivem sem Deus no mundo –; mas também pela força da lei judaica que distância o homem de Deus; de outro, ele sente a necessidade de manifestar ao mundo a vida nova, nascida da relação com Cristo Jesus. Sua linguagem é repleta de hipérbole, que tenta com o recurso da retórica expressar a primazia do dom de Deus: “onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Sua intenção de fundo é conduzir os seus ouvintes para um novo pólo, algo inaudito, mas profundamente necessário.
A graça para Paulo assume o primado de toda sua teologia. Sem negar de vez a teologia do Antigo Testamento sobre a justificação, Paulo reelabora o conceito de Justiça divina, não mais sob a ótica da retribuição-merecimento. Ele se utiliza do recurso da reductio in mysterium, fazendo com que tudo se volte ao seu início. Desde então ele cria o paralelismo entre Cristo e Adão, o novo homem ao lado do homem velho, demonstrando a plena desproporção de um em relação ao outro. O primeiro adão é barro, terra, objeto perecível, o Segundo é Espírito vivificante.
A partir destas intuições, Paulo revela uma linha condutora: trata-se do plano universal de salvação de Deus, onde a humanidade de Cristo se torna o eixo central da unidade de Deus com o homem[23]: “Nós pregamos o Cristo, mas o Cristo crucificado”. A condição humana de Cristo[24] faz com que Paulo não pense mais a graça como um favor, como um dom vindo de fora, a graça é o próprio Cristo. Neste sentido, Paulo dá um salto e convida a todos a participar de sua teologia, de sua visão, que realmente é grandiosa, porque compreende que Cristo é o próprio dom de Deus, é a graça que brilhou para nós.
Somente nele se pode então falar de salvação, no sentido estrito da palavra. Não estamos mais sobre dois planos de salvação. A encarnação liga criação e redenção num único e mesmo plano, é na humanidade de Cristo que fomos criados e é nesta mesma humanidade que somos salvos.[25] Não há uma esquisofrenia na ação de Deus. Deus não está dividido. O que Paulo quer dizer é que o mesmo Deus que cria é o Deus que salva. E em Cristo este plano se tornou visível. Por muito tempo, fomos dominados por uma visão platônico-dualista. Esta visão da filosofia grega antiga criava uma profunda dicotomia entre o céu e a terra, entre alma e corpo, entre matéria e espírito. Foram séculos de condicionamento que confinou a teologia da graça a pura esterilidade conceitual. Mas com este retorno às Escrituras operada pelo Concílio Vaticano II, voltamos a respirar o sentido largo e amplo da teologia da graça oferecida por São Paulo.
Assim são Paulo nos faz avançar na direção de uma linha primordial muito presente no contexto do Novo Testamento. O «Cristo alfa e Omega» do Apocalipse é para Paulo expresso no Cristo, novo Adão. “Ele é o Primogênito de toda criatura”, “tudo foi feito nele, por ele e para ele” e agora “todas as coisas ganham nele sua consistência, tudo participa de seu ser”. Deste modo se liga criação e salvação num único plano que revela um único projeto universal de Deus, pois para Paulo Deus quando cria já cria salvando e quando salva, salva criando.
A Imagem Primeira, o archetipos, que é o Filho, no qual todo homem recebeu a força de ser imagem de Deus, tornou-se aquilo de que se apropriou […] Sim, toda a bondade do Pai torna-se visível realmente na humilhação do Filho dentro da carne, nós a conhecemos, sobretudo, com os olhos do coração, mas também com os olhos da carne (Cirilo de Alexandria, Teológica, 230).
Paulo desenvolve o tema em três direções:
a) Cristo como origem e fonte da graça: Cristo Jesus por meio de sua morte e ressurreição redimiu a humanidade, mas para que os frutos desta nova vida possam ser conferidos aos fiéis é necessário que estes renasçam da água e do Espírito (Rm 6,3-5; Rm 6,14-22[26]). Graças ao batismo o homem participa da morte de Cristo e também da vida nova. Aqui se abre para todos a novidade cristã do conceito da graça, que não é mais somente a anulação dos pecados, a realidade jurídica do judaísmo, moldado pela noção de retribuição. O homem agraciado para Paulo é o homem santificado, o homem que tem acesso ao mistério de Deus, em Cristo, o homem revestido da vida nova no Espírito, o homem pneumático.
b) A graça como evento salvífico-existencial: o homem, pela fé em Cristo se encontra em novo estado de vida, em uma nova situação diante de Deus, mediante Cristo ele está aberto a Deus, a fé e sinal e início desta abertura, que possibilita a ação da graça agir em sua vida (realizando a justificação e adoção no seio trinitário). A própria justificação perde sua conotação jurídica, não se trata mais de divida e nem de cobrança, mas de relação que faz iniciar no fiel a atividade salvífica de Deus, tornada atuante no momento mesmo do batismo, e dependente somente da fé. Neste sentido, Paulo assume uma oposição frontal ao sentido farisaico, segundo qual os homens, com suas próprias forças, podem merecer a salvação e caminhar retamente em direção à Deus. A justificação não é mais a recompensa de boas obras, retribuição da retidão humana, a justificação é dom que vem do alto, imerecido, “pois todos pecaram, e por isso todos estão privados da graça de Deus”, neste sentido, a única atitude possível ao homem é a recepção e acolhida da total gratuidade da graça, que produz em nós a nova existência em Deus e a anulação dos pecados, através do perdão concedido.
c) A graça como evento salvífico na comunidade eclesial: Deus, através da graça, chama os homens a participar na vida da comunidade cristã (Gal 1,6[27]). A graça constitui e edifica a Igreja na qual estão presentes carismas e ministérios. Paulo mesmo, testemunha que sua conversão é fruto deste dom especial. Por isso ele foi chamado por Deus para pregar o evangelho aos pagãos, cooperando assim com Deus na atividade missionária da Igreja (1 Cor 15,10[28]).
A dimensão histórico salvífico da graça
A realidade histórico-salvífico da graça insere a auto-comunicação pessoal de Deus no centro da história humana. Funciona como fator utópico de esperança, se realiza como ato de resistência diante de todo esfacelamento social. Ao mesmo tempo que é anúncio alegre da presença nova de Deus em nosso meio, desvela a face feia da desumanização do homem causada pela violência e pela opressão. Neste sentido, a teologia Latino-américana contribuiu muito para a dimensão social da graça. A graça não é somente realidade que se dá ao sujeito em sua individualidade, mas é a própria realização do plano inicial de Deus que restabelece os laços e as profundas relações humanas quebradas com o pecado.
A graça põe-nos em novo horizonte. A relação de amizade e de fraternidade se recompõe pelo próprio dinamismo desta presença de Deus em nós. A Sagrada Escritura passa a ter outro sabor. É possível perceber com maior clareza o sentido das relações de gêneros, a não totalidade e a grande indigência do homem carante e necessidado de carinho e de amor humano. O homem não se completa só: “Não é bom que o homem fique só”. Seu vazio primordial lhe revela a necessidade do outro. Pela graça, o outro não é mais visto como rival, a quem devo combater, não é ele o impedimento de meu “eu”. Uma visão privada da graça leva ao pleno individualismo mortificante, ‘o outro’, como afirmava J.P. Sartre, ‘é meu inferno’ (L’infer é l’autre).
Sabemos que a nossa sociedade tenta impor diariamente tais valores a todos. Onde o outro é privação de minha satisfação e de meus desejos, a conseqüência disso é um mundo desprovido de beleza e de solidariedade, de amor e de ternura. Tudo é contabilizável, nada é gratuito. Filho se torna um peso. O matrimônio uma anulação da liberdade pessoal e privada. Diariamente se esfacelam as famílias. A sociedade do consumo massifica as pessoas, não passamos de números. Para alguns, as pessoas se tornam somente cifrão, moedas monetárias, o pecuniato, a fome pelo dinheiro substitui as relações de amizade e de amor. Tudo isso nos revela a face negra de uma sociedade vazia de sentido e da graça. Quem não possui o conteúdo do livre amor de Deus, não consegue entender e encontrar uma outra lógica para viver.
O termo graça em Santo Tomás de Aquino
Na Summa Teologica I-II, q.110, a.1 Ato. Tomast fala da graca em tres sentido entre si conexos:
Graça compreendida como amor de alguém por um outro (um soldado que tem a graça  de um rei) → este sentido expressa bem o sentido da palavra hesed e hen presente no AT (benevolência de Deus, e também a realidade do homem que entra no estado dos favores de Deus).
Graça compreendida como dom gratuito (eu te dou uma graça-favor) → refletem bem a teologia do batismo de Paulo como evento de graça que porta neste mesmo dom os frutos da salvação, este dom está ligado ao mistério pascal de Cristo, pela qual se opera no homem redimido, uma verdadeira mudança interior.
Graça compreendida como reconhecimento por um beneficio recebido→ aqui se manifesta as considerações feitas por S. Paulo de que o homem, transformado pela graça, começa uma vida totalmente nova movida pelo influxo da mesma graça.
Aqui já vemos uma novidade interessante. O conceito de graça na filosofia tomista significa relação. Há um primeiro início de superamento em relação a Aristóteles, que considerava a relação um acidente na essência humana, algo desnecessário para que o homem pudesse ser homem. Para Tomás, a graça implica a relação entre duas pessoas ou entre Deus e o homem, e isto é intrínseco, pertence à essência mesma da graça. Seu exemplo do soldado em relação ao rei ilustra bem este sentido relacional da graça. Algo no soldado atraiu os olhares de seu rei e fez nascer o dom, o favor. Mas quando se trata de Deus Tomás se adiante em dizer que a graça dele dada ao homem é totalmente gratuita, sem méritos prévio da parte do homem, pois a graça de Deus é expressão de seu amor.
Aqui também temos uma novidade de Sto. Tomás com relacao à Aristotéles. Aristotelest tambem defendia uma “teologia do amor”. Trata-se do movimento natural do homem em direcao a Deus. Mas este amor do homem em direção a Deus não é capaz de mover em nada Deus. O Deus aristotélico é motor-imóvel, move tudo sem ser movido por nada. Ele não tem sentimento, ele é plenamente auto-suficiente. Está satisfeito consigo mesmo, nada do que o homem faça ou queira poderá atrair o olhar de Deus. Estamos diante de um Deus frio. Para preservar os atributos divinos: onipotência divina, onisciência e onipresença, Aristóteles precisa recorrer a total impassibilidade e imutabilidade de Deus. Sua filosofia é lógica, precisa e clara, mas não cristã. Tomás rompe com esta visão parcial e incompleta de Deus. Seguindo a revelação bíblica, Sto. Tomás amplia os horizontes da filosofia aristotélica. A “teologia amoris” não é mais um arrazoado filosófico, estranho e frio. Tomás mobiliza a filosofia, lhe dá uma nova orientação. A “teologia amoris” possui um movimento inverso. O movimento natural do homem em direção a Deus é visto como resultado e não princípio. É conseqüência da própria ação de Deus que veio a nós por primeiro. Toda ação em direção a Deus é resposta “amoris”. Sem destruir o conceito de imutabilidade divina, Sto. Tomás supera a noção impessoal de Deus, o Deus sem rosto, sem vida e sem amor, agora tem um rosto, a de Cristo Jesus, o rosto divino que se voltou à humanidade.
——————————————————————————–
[1] H.U.von Balthasar, Preguiera contemplativa in: Nella Preguiera di Dio, v. XXVIII, Milano, Jaca Book, 17-23.
[2] O Senhor desceu na nuvem e permaneceu com Moisés, e ele invocou o nome do Senhor. E o Senhor passava diante dele. E ele exclamou: “O Senhor, o Senhor, Deus misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel, que conserva a misericórdia por mil gerações e perdoa culpas, rebeldias e pecados, mas não deixa nada impune, castigando a culpa dos pais nos filhos e netos, até a terceira e quarta geração”.
[3] O Senhor disse a Moisés: “Farei também isto que pediste, pois gozas de meu favor-graça, e eu te conheço pelo nome”. Moisés disse: “Mostra-me a tua glória!” E o Senhor respondeu: “Farei passar diante de ti toda a minha bondade-graça e proclamarei meu nome, ‘Senhor’, na tua presença. A quem mostro meu favor-graça, eu o mostro; a quem demonstro misericórdia, eu a demonstro”.
[4] Em vista disso, o SENHOR espera a hora de vos perdoar. Ele toma a iniciativa de mostrar-vos compaixão-graça, pois o SENHOR é um Deus justo – felizes os que nele esperam!
[5] Eu disse: “Piedade de mim, Senhor; cura-me, pequei contra ti”.
[6] Mas tu, Senhor, Deus de piedade, compassivo, lento à ira e rico de amor e de fidelidade, volta para mim e tem misericórdia; dá a teu servo a tua força, salva o filho da tua serva.  Dá-me um sinal de benevolência para que meus inimigos vejam e fiquem envergonhados. Porque tu, Senhor, me socorreste e consolaste.
[7] Portanto, roga por nós, e talvez o Senhor nos atenda, pois és uma mulher santa. O Senhor enviará a chuva para encher nossas cisternas, e não mais desfaleceremos”. 32 Respondeu-lhes Judite: “Ouvi-me, e eu farei uma proeza que chegará aos filhos do nosso povo através das gerações. 33 Esta noite vos postareis à porta da cidade, e eu sairei com minha serva. Antes do prazo que fixastes para entregar a cidade aos inimigos, o Senhor visitará Israel pela minha mão, como eu confio. 34 Vós, porém, não procureis compreender a minha ação. Não vo-lo informarei, senão depois de se completar o que vou fazer”. Ozias e os chefes disseram: “Vai em paz, e o Senhor Deus esteja à tua frente para a vingança contra os nossos inimigos”. Descendo, então, do aposento dela, voltaram para seus postos.
[8] Depois, levantando os olhos, Esaú viu as mulheres e as crianças; e perguntou: “Quem são estes que trazes contigo?” Jacó respondeu: “São os filhos com que Deus presenteou teu servo”. Aproximaram-se as escravas com os filhos e se prostraram. Aproximou-se também Lia com os seus e se prostraram. Depois acercaram-se José e Raquel e se prostraram. 8 Esaú lhe perguntou: “O que pretendes com todos esses rebanhos que vim encontrando?” Ele disse: “Conseguir o favor de meu Senhor”. Esaú respondeu: “Já tenho bastante, meu irmão. Fica com o que é teu”. “Oh, não!”, respondeu Jacó. “Se alcancei teu favor, então aceita de minha mão o presente, pois vim à tua presença como se vem à presença de Deus, e tu me acolheste favoravelmente. Aceita o presente que te mandei levar, pois Deus me ajudou, e não me falta nada”.
[9] O teu servo encontrou teu favor, e foi grande tua bondade comigo, conservando-me a vida. Mas receio não poder salvar-me na montanha, antes que a calamidade me atinja e eu morra..
[10] E disse: “Senhor, Deus de meu Senhor Abraão, que o dia de hoje me seja favorável. Mostra-te benigno com meu Senhor Abraão.
[11] É interessante este trecho na boca do velho Zacarias exprimindo assim a piedade e a esperança de Israel, sua fé inabalável, fruto da confiança no amor e na misericórdia de Javé.
[12] Neste sentido, vale a pena ver os trabalhos e elaborações teológicas produzidos na América Latina, onde através de teólogos sensibilizados por contexto de opressão e miséria que assolavam o povo latino, perceberam rapidamente a radicalidade de Deus em Jesus, a favor dos mais pobres e marginalizados da sociedade. E conseguiram colher a grande semelhança da história do povo latino com os relatos evangélicos. Isso deu grande impulso à teologia latina, que hoje goza de grande respaldo a nível mundial, e que fez o povo compreender os relatos bíblicos à luz de sua própria história e contexto de opressão, e também conseguiram encontrar luz e força utópica (o sonho, a esperança) para superar e vencer suas dores pelo dom da presença constante de Deus em nosso meio. Hoje, afastado daquele começo e também daqueles contextos de ditadura, a teologia latina busca desenvolver e focar suas energias sobre cada pessoa como sujeito, como pessoa, portadora de dignidade, «sujeitos ativos e participantes da fé, gente adulta» e não meros ouvintes desqualificados de qualquer autonomia e valor.
[13] «Il tempo è compiuto e il regno di Dio è vicino; convertitevi e credete al vangelo».
[14] Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos..
[15] H.U.von Balthasar, Preguiera contemplativa in: Nella Preguiera di Dio, v. XXVIII, Milano, Jaca Book, 17-23.
[16] Quia inter creatorem et creaturam non potest tanta similitudo notari, quia inter eos maior sit dissimilitudo notanda.
[17] Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
[18] Como o Pai rescita os mortos e dá a vida, assim tambem o Filho dá a vida a quem ele quer.
[19] O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que todos tenham vida em abundância.
[20] Jesus lhes disse: “Em verdade, em verdade vos digo, se um nao nasce da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus”.
[21] Eu sou a videira, vós sois os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer.
[22] Quem crer que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus; e quem ama aquele que gerou, ama também aquele de quem ele foi gerado. Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: pois se amamos a Deus observamos os seus mandamentos.
[23] Vários teólogos de vanguarda do Século XX se aproveitaram destas intuições paulinas e aprofundaram o tema da revelação. Um dos exemplos mais significativos é a teologia de Karl Rahner, em um passo muito interessante Rahner reelabora o tema da criação-salvação, onde ele afirma de forma magistral: O mistério da encarnação, segundo K. Rahner, é “expressão do fenômeno originário, isto é, a auto doação, o tornar-se, a kénosis e ghénesis de Deus mesmo, mediante a qual ele sem cessar de ser aquilo que é, mas em força de sua livre liberdade primigenia (amor) torna-se aquilo que nasceu criativamente dele: O Logos de Deus torna-se homem, faz do outro sua própria realidade, pois, Deus pode tornar qualquer coisa, o imutável em si mesmo, pode ser mutável ele mesmo em um outro. Esta possibilidade não pode ser pensada como sinal de uma necessidade de Deus, mas como grandeza (l’auteza) de sua perfeição, que seria menor se ao acréscimo de sua infinitude pudesse se tornar menos do que Ele permanentemente é”. (K. Rahner, Saggi di Cristologia e Mariologia, 108-111).
[24] Também Sto Inacio de Antioquia nos deixou excelentes intuições sobre a vida de Deus na carne de Cristo. «O Mistério da fé pede o dom da sua real encarnação, é na carne que se faz a verdadeira experiência da fé, fora desta a fé se torna desencarnada, imaterial, idéia sem vida: “Sei que Jesus, depois da ressurreição, vive em seu corpo e creio estar ele ainda agora com seu corpo. Ao se encontrar com Pedro e seus companheiros, disse-lhes: «Pegai, apalpai-me e vede que não sou um espírito incorpóreo». E logo o tocaram e creram, unidos à carne e a seu espírito» [INÁCIO DE ANTIOQUIA, Da carta aos Esmirnenses, LH III, 12].
[25] A Palavra de Deus, a eternidade do Pai, a expressão de sua Glória, quis a assumir a carne, isto é, esta arpa humana com seus mil sons, para louvar a Deus através desta e junto com ela (Clemente de Alexandria).
[26] Rm6,14-22  Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça. Pois que? Pecaremos porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo nenhum. Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça.  Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação. Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça. E que fruto tínheis então das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o fim delas é a morte. Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes  vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna.
[27] Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho;.
[28] Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo.

Você pode Gostar de:

Um dogma cuiabano

Há 169 anos, o Papa Pio IX proclamava o dogma da “Imaculada Conceição”, na presença …