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Juízo Final uma esperança para todos os finados

Juízo Final uma esperança para todos os finados.
 
O Juízo final faz parte da doutrina central da Igreja,  no Símbolo da Fé, ou Credo, dizemos que “cremos que Ele virá no Último dia, e julgará todas as coisas!”. Agora, no dia de finados, somos levados, por vários sentimentos, a meditar e adentrar no terreno da morte. Todos somos seres sociais, vivemos e nascemos em família, herdamos amizades, fazemos companheiros de caminhadas, construímos nossos sonhos, mas um dia ou outro, vem-nos o impacto brutal da morte que interrompe a vida de alguém que nos é caro, a quem amamos, de quem dependemos.

Da mesma forma que somos levados a meditar sobre a morte, também somos levados a pensar muitas coisas sobre ela, algumas boas, outras vagas, as vezes não tão boas. Para onde vai quem morreu? O que será dele ou dela? Por que morreu? Tantos por quês sem respostas? Ou sem uma aparente resposta. Por isso, apresento abaixo uma meditação nascida da fé e que se alimenta da esperança cristã centrada na experiência do amor invencível de Deus, o Pai de Jesus, que o ressuscitou dos mortos e nos trouxe uma nova experiência de viver a vida com um tom diferente[1].
A verdade do juízo final não pode ser isolada de toda a verdade cristã. A mensagem central do Juízo Final é que o homem pertence a Deus, dele é criatura e sua vida humana é apenas uma antecipação da vida futura a vida na terra não esgota a possibilidade do viver humano. Neste sentido, a Igreja Católica tem como verdade de fé que a vida não termina neste mundo. Somos peregrinos, a terra é somente uma passagem, uma páscoa. Por outro lado, tal pensamento não permite a um católico menosprezar a terra, sua vida, suas relações neste mundo, pois o mundo é criação de Deus, vem de Deus, nele se encontra e tem seu destino último no próprio Deus (1Tm 4,4; Hb 3,4; At 17,24). São Paulo expressa tal verdade quando diz que: “N’Ele Somos, vivemos e existimos” (Rm 11,36; Jo 1,1-2; Cl 1,15-16; .
Tal verdade tem sua articulação plena em Jesus, princípio de nossa existência e ponto Omega de nosso existir – “Tudo o que está em Cristo é uma nova criatura (2Cor 5,17) . Deste modo, o JUÍZO ETERNO FINAL significa para todo cristão uma mensagem de esperança, uma mensagem de otimismo, não somos nem juízes e nem estamos ao arbítrio de um princípio caótico e vago, destinado ao naufrágio da humanidade, à sua anulação completa. O mundo e nossa existência nele não é a PALAVRA DEFINITIVA, ÚNICA E ÚLTIMA, mas uma palavra provisória.
A partir deste princípio cristológico, a fé cristã tira as conseqüências últimas do nosso existir no mundo como realidade transitória e prenha de significado.
O Catecismo da Igreja Católica no N0 1040 diz o seguinte:
Juízo final revelará como a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte.
O Catecismo parte da vitória de Deus. O Juízo de Deus não é de punição, mas de recuperação da sua criatura amada (Cl 3,10). O Novo Testamento atesta isso com as metáforas que Jesus alude, quando nos fala do Pastor, do Pai generoso, da dona de casa cuidadosa (Lc 14-15). Jesus nos revela o centro de sua missão: “Não vim para condenar, mas para salvar” (Jo 3). A mensagem central do NT é sempre revelar o mistério da RECONCILIAÇÃO DE DEUS COM O HOMEM, O EMPENHO DE DEUS EM NOS SALVAR. Por isso, voltando ao Catecismo, podemos dizer, que “A justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte!”. O amor não humilha, não perde, não oprime, não violenta. No caso de Deus, o amor nos revela que Deus tem um plano sob dois ângulos ou momentos. Um plano único, mas que se desvela em dois momentos especiais: A CRIAÇÃO E A REDENÇÃO-SALVAÇÃO! Dois momentos lindos de um único plano, Deus cria para a salvação e nos salva recriando.  O que na criação se desviou da própria finalidade fundamental, a salvação veio como forma de recuperação, de empenho, de amor superabundante. São Paulo, exuberantemente, usa uma hipérbole para expressar essa generosidade de Deus: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20-6,2).
Essa revelação cristã está sob o primado da GRAÇA. Tudo o que vive e respira, independente de estar consciente ou não, vive desta verdade: “SOMOS CRIATURAS AGRACIADAS”.
Em hebraico o substantivo hesed, que traduz a palavra graça significa “solidez, firmeza, bondade, misericórdia, justiça”, expressão de uma amor entranhado, um amor firme, uma bondade justa que tem fundamento sólido.  “Misericórdia e firmeza expressam a dupla face de Deus, sua ternura sinal da feminilidade divina, capaz de fecundidade, exuberância vital e também a presença firme, que dá segurança, força, coragem princípio masculino da paternidade divina.
A partir desta gênese verbal da palavra graça é que podemos ler e interpretar o Juízo Eterno e Final de Deus, um Juízo de Misericórdia, um juízo capaz de recuperar tudo o que em nós foi se danificando com o decorrer de nosso existir no mundo.
Mas tal verdade de fé não é independente de nossa liberdade. Não basta saber que Deus é bom, que nos ama e quer nos salvar-recuperar. Uma salvação que nos viesse sem nossa abertura, por mais limitada que esta fosse, seria uma agressão. Por isso, temos que crer que o mesmo Deus que oferece a salvação como dom, se antecipa no tempo, e nos segredos da vida humana, para nos preparar para esta salvação e aqui entra o sentido de liberdade.
Mas liberdade não pode ser entendida matematicamente, a partir de cálculos e estatísticas. Liberdade implica dramas, condicionamentos, dor, resignação, neste sentido, ninguém é livre totalmente: “Vejo o bem que quero, mas faço o mal que não quero!”. Sem este olhar, ficamos preso a eterna tentação da auto-suficiência, sem abertura e humildade para confiar que a salvação é bondade, é graça imerecida, é dom de um Deus bom que “quer salvar a todos e quer que todos se salvem!” (1T 2,4; Hb 4,16; Rm 3, 24;11,5-6 1Cor 1,29-30; Gl 2,21; Ef 2,8). Sem tal olhar, fixamos a salvação em nossas forças, passamos a acreditar que tudo depende de nós, e assim se compromete qualquer espaço para Deus. Esse tipo de pensamento é tão sutil que pode até se camuflar numa busca de santidade capaz de esconder vaidade, auto-suficiência, arrogância e senso de superioridade.  
Por isso, é importante lembrar que o ser humano é ser condicionado, ser imerso na alienação de si, ser que vive no profundo desejo do bem, mesmo que para isso erre nesta busca. Expressamos isso quando dizemos que “não somos perfeitos”. Por isso, a graça que se antecipa é a graça que nunca se esquece que no mais profundo de nós tudo é graça e bondade, mesmo diante de nossas mais serias e profundas imperfeições (distorções de nossa essência). Por isso Deus nunca se desespera de nós, conhece as nossas fibras mais recônditas (Sl 138).
Assim, para que o Juízo eterno final de Deus seja um sinal de vitória de Deus e de seu triunfo, e não a constatação de um fracasso eterno de Deus, precisamos crer que a) SOMOS CRIATURAS AGRACIADAS (Imagem e semelhança de Deus) e isso é algo de todos, e vale para todos; e b) saber que a salvação que nos põe diante do Juízo Final de Deus, mesmo sendo totalmente imerecida, não é algo alheio a nós e totalmente diferente do que em mistério já o somos, mas ainda não plenamente, pois o plano da criação não está em contradição com o plano da salvação, nem se pode afirmar um detrimento do outro, dizer que Deus nos salva destruindo nossa natureza seria uma contradição. Por isso, também precisamos entender que nossas ações na vida presente tem conseqüência na vida futura, não é total ruptura, mas transformação na identidade profunda de nós mesmos, isso implica dizer que o bem ou mal que praticamos terá uma certa continuidade, como alegria, se o bem fizemos, como dor, pois veremos o bem verdadeiro. 
Assim, o juízo final de Deus será  a recuperação da criatura e do que de positivo e bom nela ficou, o que de Deus nela permaneceu. Na tentativa de exemplificar isso, podemos dizer que se uma pessoa…(que não sendo doente mental, psicótico, o que de per si já anula o grau de liberdade e qualquer sentido de responsabilidade) que viveu uma vida errante, um homem que na vida foi uma pessoa dura, intransigente, ciumenta, arrogante, mas na sua intimidade viveu esse drama de sua dureza com tristeza e pesar, e soube ser ou um bom pai, ou um bom marido, um bom amigo, um bom filho, um honesto cidadão, não se salvará pelo próprio mérito, mas pela bondade de Deus que vai recuperar isso que de bom nele existia, e o que de mal nele houve, Deus jogará tal sujeira no fogo eterno. O purgatório, numa explicação simples e não técnica, será este momento impar e necessário em que Deus recupera em nós o que foi bom, o que valeu a pena. E o juízo eterno é o carinhoso abraço de Deus que tem mais alegria em salvar, do que condenar, em recuperar um pecador perdido, que destruí-lo na punição eterna. 
Podemos então concluir com as palavras do Catecismo:
A mensagem do Juízo final é um apelo à conversão, enquanto Deus dá ainda aos homens «o tempo favorável, o tempo da salvação» (2 Cor 6, 2). Ela inspira o santo temor de Deus, empenha na justiça do Reino de Deus e anuncia a «feliz esperança» (Tt 2, 13) do regresso do Senhor, que virá «para ser glorificado nos seus santos, e admirado em todos os que tiverem acreditado» (2 Ts 1, 10). (Cat. Igr. Cat. 1040
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[1] Aqui é importante uma pequena, mas necessária distinção entre exposição da fé (Doutrina constante da Igreja) e explicação da fé (trabalho necessário dos teólogos de atualizar e traduzir o mistério da fé para o nosso tempo). Neste sentido, o que faço agora é explicar a doutrina constante da Igreja que crê e vive da expectativa do Juízo Final de Deus (Exposição da fé). Mas como entender? De que ponto de vista? A partir de qual horizonte? E com qual chave hermenêutica? Um exemplo, um medieval, provavelmente, ligado a sua visão de mundo e o mundo de sua época, faria a meditação do Juízo a partir de uma perspectiva de castigo. Tratava-se de um pessimismo característico da época. A terra era tida como lugar de exílio, desterro e tristeza. Salvação era para poucos. Precisava de méritos. Tal clima trazia um medo de Deus, da punição. Jesus era juiz intransigente (Bruno Forte). Neste terreno, falar de juízo era mais uma mensagem de tristeza e desolação, do que propriamente esperança. Até mesmo o Sacramento da unção, se colocava para o momento último da vida e só para os bons, como tentativa de deixar o momento da morte isolada da vida, por medo de ir para a hora da punição eterna. Assim juízo final era lido sob a perspectiva da punição-condenação.  Nossa perspectiva, mais contemporânea, parte da visão bíblica de que Jesus não veio para condenar, mas salvar.

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