Toque de recolher

Toque de recolher

Quero aproveitar o calor da discussão sobre a decisão judicial “toque de recolher” para menores,  adotada em algumas cidades do interior de S. Paulo (Fernandópolis, Itapurá, Ilha solteira, Mirassol), e tecer algumas reflexões sobre a missão da família e o relacionamento dos Pais com seus filhos. Existem alguns pontos de interrogação na  constitucionalidade deste mandato judicial. Porém, prefiro olhar o aspecto positivo desta decisão. Não devemos pré-julgar uma decisão que ainda não foi experimentada. Afirma a divina sentença “Pelos frutos conhecereis a árvore”. Com certeza esta decisão judicial, encontrará muitos obstáculos e desafios para sua aplicabilidade. Porém, pelo que me consta, o juiz, não desconsiderou o papel fundamental da família no processo educativo dos seus filhos. Muito pelo contrário, a decisão é um convite para que Pais e filhos passem mais tempo juntos  nos momentos de descontração e lazer da família. Pois, muitas famílias se ressentem, hoje, com a falta de momentos de descontração sadia e revitalizadora. O individualismo alastrou-se por todos os setores da vida, sobretudo, na família, isolando e fechando Pais e filhos em suas residências. Até a comensalidade, elemento tão presente na cultura familiar brasileira está desaparecendo. Há um consenso nas opiniões de especialistas de que cabe a família  fixar limites para seus filhos e filhas.  Entretanto, precisamos lembrar que a família perdeu sua força educadora hoje. Os Pais tem dificuldades em estabelecer limites para os filhos. Em parte, pela falta de coerência e bom exemplo. Aqui vale lembrar que no processo educativo, o que mais incentiva o crescimento de uma criança ou adolescente é a força do testemunho dos adultos. Ao lado disso, falta aos adolescentes a compreensão sobre a verdadeira e autêntica liberdade. O adolescente não está suficientemente maduro para o uso da liberdade.  Porquanto, a liberdade autêntica não é fazer o que se quer (libertinagem). Mas, o que se deve fazer. E, diante da rebeldia adolescencial, muitos Pais tentam comprar o afeto dos filhos, ou quem sabe, compensar a  omissão educacional, dando tudo que o filho pede. O Pai Nunca diz ”Não”, com medo de magoar o filho. Com isso, forma pessoas egoístas para o mundo, achando que o mundo tem de dar tudo a eles.  Estes filhos, com certeza, não saberão lidar com as perdas e frustrações impostas pela  vida.  Ao lado disso, o secularismo e o consumismo que penetraram na família, levaram muitos Pais a viverem só para si mesmos e para o trabalho, deixando os filhos aos cuidados de Instituições educativas ou de terceiros. Há muitos Pais que passam longa jornada de trabalho fora de casa, por conta de suas atividades produtivas. A economia globalizada está mudando o ritmo das famílias. Deixando-as cada vez mais estressadas e desnorteadas. Muitos Pais estão sempre fora de casa ou viajando, sem nenhum controle de seus filhos. Outros Pais estão fisicamente presente, mas  espiritualmente e afetivamente distante de seus filhos. Na verdade muitas famílias já terceirizaram a educação dos filhos! Ora, o distanciamento dos Pais da insubstituível tarefa educativa, tem conseqüências nefastas! Tem levado um número cada vez maior de crianças e adolescentes à dependência química, à busca de compensações eróticas ou outros tipos de desvios.  Por isso, na atual conjuntura histórica, a família precisa da ajuda do edifício estatal e jurídico para a construção de sua identidade e sua missão de ser a célula mãe da sociedade. Assim afirmou o grande teólogo e filósofo S. Tomás de Aquino: “A família é como o útero social, que vai engendrando e desenvolvendo os filhos, até sua maioridade, para entregá-los ao mundo satisfatoriamente desenvolvidos”. Estatisticamente falando, 40% da população brasileira são crianças e adolescentes. A adolescência é um período de descoberta, de inquietação, de busca da identidade e da expansão da afetividade. Quando não são bem orientados, os adolescentes podem ter um desencantamento com relação ao mundo e uma descrença do ser humano. Nesta fase de mudanças físicas, mentais e psicológicas, boa parte dos adolescentes não recebe uma sólida e correta formação humana e ética. Esta medida judicial certamente levou em conta que nas ruas e praças das cidades brasileiras, encontram-se centenas de crianças e adolescentes que não tem família ou são oriundas de famílias deterioradas por condições econômicas e morais inadequadas, com vínculos familiares frágeis. Essas crianças e adolescentes, pela falta de atenção, educação e amor de suas famílias, desenvolvem práticas anti-sociais que habitualmente dificultam a convivência humana. Sabemos que a carência de auto-estima, de amor e carinho,  geram um profundo sentimento de solidão nos filhos. Os adolescentes delinqüentes não são maus! São carentes de amor de seus Pais. São mal amados! Com isso, se tornam presas fáceis de traficantes, da criminalidade e de diferentes tipos de exploração. Finalizando, quero conclamar todos os Pais para que amem muito seus filhos e dialoguem com eles! O “toque de recolher para menores desacompanhados”, deve soar como um exame de consciência para os Pais ausentes, omissos e distantes de seus filhos! Cuidemos das crianças e adolescente! Eles são o presente e as sentinelas do futuro! São sinais de que Deus não perdeu a esperança nos homens.  Recordo  aqui, as sábias palavras do grande pensador Pitágoras: “Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”.

Pe. Deusdédit M. Almeida é Pároco da Paróquia C. Imaculado de Maria, assessor regional da Pastoral familiar e Vigário Geral da Arquidiocese de Cuiabá

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