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Lombardi: “Bento XVI, mestre e testemunha da fé”

Artigo do Padre Lombardi por ocasião do aniversário da morte de Bento XVI, em 31 de dezembro de 2022.
Federico Lombardi

Após um ano do falecimento de Bento XVI, o tema sobre o qual seria justo e natural refletir, é a sua herança. Trata-se de uma figura a ser confiada, sobretudo, aos mestres da leitura do passado ou de uma figura que continua a nos desafiar, hoje, precisamente neste momento dramático em que vivemos?

Que ele seja um mestre da fé, não há dúvida. Não nos cansaremos de reler, tão cedo, a sua Introdução ao Cristianismo e a sua Trilogia sobre Jesus de Nazaré; os teólogos poderão explorar, por muito tempo, a sua Opera Omnia tentando extrair sugestões e orientações para a sua reflexão e pesquisa.

Que ele seja também uma eminente testemunha da vida na fé – e da fé cristã na vida eterna – é completamente evidente para os que ouviram as suas homilias e seus ensinamentos espirituais, bem como para os que o puderam conhecer de perto, acompanhando seu longo itinerário interior até ao encontro com Deus.

Porém, o que eu gostaria de ponderar agora é que J. Ratzinger continua sendo um companheiro precioso, também para os que estão vivendo, com participação e paixão, as vicissitudes da vida humana e da história nesta terra, com todas as suas atuais e dramáticas questões.

Não podemos ignorar o fato de que o caminho do nosso mundo, em muitos aspectos, parece estar – e está – “fora de controle”. A crise ecológica, as contínuas manifestações de riscos e desenvolvimentos dramáticos no campo do uso da tecnologia, comunicação, aplicações da chamada inteligência artificial; enfim, as reivindicações de direitos contraditórios entre si e o transtorno da coexistência internacional, com a crescente proliferação, cada vez mais ameaçadora, das guerras… Como bem evidenciou o Prof. Francesc Torralba, ao receber o Prêmio Ratzinger, no passado dia 30 de novembro, “Bento XVI abordou, profundamente, os motivos da crise da nossa época, propondo à cultura contemporânea, não de rejeitar a razão moderna, mas voltar a ampliar seus horizontes, restituindo espaço à razão ética e à racionalidade da fé”.

A perspectiva de J. Ratzinger, portanto, diante das falências da razão humana, não foi de negá-la ou limitá-la, mas sim, ampliá-la e convidá-la a tentar entender, com coragem, não apenas como o mundo funciona, mas também porque ele existe, qual o lugar que o homem ocupa no cosmos e o sentido da sua aventura.

Não se pode negar que esta perspectiva, em certo sentido, tenha sido uma proposta de diálogo com a cultura contemporânea, muitas vezes, encarada com frieza ou, por vezes, até rejeitada. O matemático Odifreddi, que se professa ateu, assumiu, muitas vezes, posições provocatórias; mas, na verdade, ele tentava dialogar com Ratzinger, do qual recebeu uma atenção extraordinária e respeitosa, nos anos após a sua renúncia, definindo o pontificado de Bento XVI como algo “trágico”, precisamente por este aspecto: de um lado, a sua proposta e abertura cultural; de outro, a falta de resposta por parte dos “homens da cultura”.

Eu, pessoalmente, não concordo com ele, porque penso que Bento XVI não foi tão ingênuo a ponto de esperar uma rápida resposta favorável. Pelo contrário, acho que a proposta de Bento XVI seja profética, mantém toda a sua validade e representa para o futuro um caminho prioritário para o diálogo entre a ciência e a fé e, de modo mais geral, entre a cultura moderna e a fé, com base em uma profunda confiança na razão humana; ou melhor, acho ainda que seja o meio principal para o compromisso cristão, no mundo contemporâneo, que não pode evitar o esforço de uma reflexão sobre as causas dos problemas e a busca de um consenso, baseado na verdade, e não sobre uma convergência precária contingente de interesses e utilidades.

Segundo o ponto de vista cristão de Bento XVI, a expansão da razão chega até a incluir a lógica do amor, que se expressa com a lógica da gratuidade e se traduz em fraternidade, solidariedade e reconciliação. A verdade e o amor manifestam-se, de modo mais completo, na Encarnação do Logos, a Palavra de Deus.

Deus caritas est, Caritas in veritate, Laudato si’, Fratelli tutti… As palavras principais dos dois últimos pontificados se subseguem com continuidade e coerência. O compromisso da Igreja e dos cristãos e a sua responsabilidade pelo destino da história humana no mundo requerem razão e amor, unidos pela luz oferecida pela fé. Os gestos concretos de caridade, aos quais Francisco nos convida continuamente, exigem ser inseridos no quadro luminoso e coerente da visão da Igreja como comunhão, a caminho, no nosso tempo, rumo ao encontro com Deus.

Referindo-se ao Concílio Vaticano II, em uma das suas cartas, – importante e surpreendente para mim – I, escrita três meses antes da sua morte, por ocasião de um Simpósio, promovido pela Fundação Ratzinger, junto com a Franciscan University de Steubenville, J. Ratzinger afirmava, decisivamente, que o Concílio demonstrou ser, “não apenas sensato, mas necessário” e continuou: “Pela primeira vez, a questão de uma teologia das religiões emergiu na sua radicalidade. Da mesma forma, também o problema da relação da fé com o mundo da razão pura. Ambos os temas não estavam previstos”. Por isso, inicialmente, parecia que o Concílio fosse uma ameaça para a Igreja; no entanto, porém, demonstrou, gradualmente, a necessidade de reformular a questão da natureza e da missão da Igreja. Deste modo, a força positiva do Concílio continua a emergir lentamente… Com o Vaticano II, o papel da Igreja no mundo tornou-se, finalmente, uma questão central”.

Assim, o último Papa, que participou de todo o Concílio e o viveu a partir de dentro, deixa-nos um testemunho da sua contínua atualidade; encoraja-nos a continuar a desenvolver as suas sementes e consequências sem temor, reformulando a própria missão da Igreja no mundo e fazendo com que a razão e fé se comprometam com o bem e a salvação da humanidade e do mundo. Assim, nosso olhar se dirige, com esperança, para o futuro. O serviço prestado por Bento XVI continua na atuação mais profunda da Igreja do Senhor, guiada por Francisco e seus Sucessores.

https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-12/padre-lombardi-artigo-bento-xvi-primo-aniversario-falecimento.html

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