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Santa Maria,Mãe de Deus e nossa Mãe

Confira o artigo escrito pelo Padre Wagner Stephan com o título de Santa Maria,Mãe de Deus e nossa Mãe referente ao dia 01 de janeiro.

Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mae

Neste dia a Igreja celebra a presença da Virgem Maria, Mãe de Deus. Titulo Mariano de grande importância para nós cristãos. Nós nos colocaremos na escola de Maria, a discípula perfeita. Nesta meditação vemos o sentido do “sim” de Maria, a abertura para Deus que a coloca numa disponibilidade aberta ao horizonte da fé voltado para o ilimitado.

Desde o início do cristianismo, ainda no tempo dos apóstolos, os cristãos sentiram a forte necessidade de afirmar a participação de Nossa Senhora no mistério de nossa salvação. Os evangelhos, sobretudo são João, sublinham e testemunham a vinda de Deus na carne humana. O papel de Maria recebe relevo nas mãos de S. Lucas. Para Mateus, ela faz o elo de ligação entre as duas alianças. S. Marcos ao sublinhar a humanidade de Cristo, ressalta sua origem, sua procedência histórica. Em tudo isto podemos ler indiretamente e de modo implícito o papel particular de Maria no evento da salvação, que depois será confirmado nos séculos seguintes quando os bispos reunidos em Concílio, decidem declarar Maria como a Mãe do Verbo encarnado, a mãe do Filho de Deus, e por isto a Mãe de Deus.

Sublinhar o papel de Maria era para estes primeiros cristãos afirmar a centralidade de Cristo. No período do último evangelho (S. João), a Igreja estava sendo envolvida por diversas tendências, que tentavam reduzir o mistério de Cristo, sobretudo de sua humanidade, ao fazer isto, corria-se o grande risco de por em perigo a nossa salvação. A intenção desses primeiros heréticos era no fundo de salvar a presença do único Deus, soberano e senhor. O mistério da encarnação não lhes era compreensível. Assim, vindo do Oriente Próximo e também da Pérsia antiga, os cristãos começavam a ver junto a sua fé, tendências dualísticas, uma visão de mundo incompatível com a fé bíblica e com o mistério da encarnação, pois trazia a total contradição e oposição entre matéria (corpo) e espírito (alma), entre céu e terra, Deus e homem. Uma tal visão fazia crer que Deus nunca poderia se encarnar, isto seria um sacrilégio, uma blasfêmia, uma heresia…

Desta forma, surgem duas tendências no seio do cristianismo, uma de raiz judaica e outra de raiz grega. A primeira se chamava ebionitas, um ramo do judaísmo antigo, ao qual se agregou mais tarde o adocionismo, cuja teoria fazia ver que Jesus era somente um grande homem, homem perfeito, o maior dos profetas, e que num tempo determinado – dia do batismo de Jesus por parte de João Batista – ele teria sido somente adotado por Deus, mas no fundo, em seu ser, continuava ele sendo somente homem.

Uma outra tendência, agora vinda do lado helênico (grego), antagonizava o pólo. Para estes, Jesus era admirado pelos seus milagres e palavras sublimes, porém, devido a sua visão de mundo ser totalmente marcada pelo dualismo, não conseguiam perceber em Jesus a verdade de sua humanidade. Assim, toda a vida de Jesus na carne, sua história humana não passavam de textos edificantes, histórias sem conteúdo material, pois ao ser divino era incompatível qualquer tentativa de união com a matéria, com a carne, com a história, com o sofrimento e com a morte. Esvaziava-se deste modo o mistério da encarnação de Deus, Jesus não passava de uma aparência, sua carne e humanidade eram um simples fenômeno. Deus continuava “intacto”, foi assim que esta tendência também chamada de gnosticismo ia se afirmando pouco a pouco no início do cristianismo, com o nome de docetismo (dokein = parecer), com a tentativa de solucionar o problema de como o Verbo de Deus, imortal e incapaz de sofrer, podia por sua vez sofrer e morrer na cruz.

De tais tendências os Evangelhos nos deixam vivas as marcas da humanidade de Deus, a sua carne, o seu sangue, o seu amor e o seu coração humano. A humanidade de Deus para os cristãos vem de Maria, ela ofereceu em si mesma o espaço para a humanização de nosso Deus. Os primeiros cristãos cuidadosamente aprimoram todas as palavras e conjunções, preposições e verbos para poder falar deste grande evento de salvação. Não bastava dizer somente que Jesus se fez carne, era necessário afirmar o modo, quando e como desta humanização de Deus. Para João, o discípulo amado do Senhor, isto era claro.

Pouco a pouco, os primeiros cristãos em sintonia viva com os evangelhos e com Paulo entendem que Jesus não nasceu somente “através de Maria”, mas “de” Maria, isto é, da sua carne, do seu sangue, do seu coração. Nela, agora temos uma história de Deus, por meio “dela” Deus se humanou e assumiu uma história humana, recebeu um nome humano, acolheu em si o carinho de um coração, a infusão de uma alma e de verdadeira ternura. Isto é celebrar a maternidade de Maria, mãe de Deus e nossa Mãe. Lentamente a Igreja foi despertando-se para o papel de Maria na Igreja, a sua cooperação na história da salvação e isto nos enche de alegria pois sem Maria a Igreja seria órfã e desencarnada, sem rosto materno e infusão de ternura dons tão preciosos e caros para o nosso processo de humanização. É belo ver o quanto o nosso papa Bento XVI na V Conferencia de Aparecida fez ver este papel tão importante de Maria no seio da Igreja:

268. Como na família humana, a Igreja-família é gerada ao redor de uma mãe, que confere “alma” e ternura à convivência familiar.[1] Maria, Mãe da Igreja, além de modelo e paradigma da humanidade, é artífice de comunhão. Um dos eventos fundamentais da Igreja é quando o “sim” brotou de Maria. Ela atrai multidões à comunhão com Jesus e sua Igreja, como experimentamos muitas vezes nos santuários marianos. Por isso, como a Virgem Maria, a Igreja é mãe. Esta visão mariana da Igreja é o melhor remédio para uma Igreja meramente funcional ou burocrática. 

 É incrível perceber aqui neste pequeno parágrafo como os bispos em Aparecida, sensíveis às raízes marianas do povo latino-americano souberam colher este veio tão belo de nossa cultura e de nosso coração tão mariano, assim o doc. de Aparecida traça um novo plano de pastoral a partir da figura e do sentido mariano da Igreja. É um sonho de toda a Igreja, fruto do rico discernimento dos nossos pastores, os bispos, que acolhendo com delicadeza o grito de nosso povo são capazes de ir para as águas mais profundas de nossa cultura. E isto não se faz sem uma boa e autentica teologia, das idéias brotadas do Evangelho da vida surge sempre a abertura do homem ao projeto de Deus, coloco agora uma perspectiva teológica de von Balthasar que nos ajudará a perceber este rico empenho da América Latina e do Caribe em traçar um rosto mariano da Igreja como forma de ação pastoral pois, somente graças a Maria a Igreja está em grau de dar luz, cor e segurança à história da salvação:

Onde Maria está ausente também Cristo se torna irreal e abstrato. Se lho privarmos de seu amor por sua mãe, é como se o privasse do fundamento terreno de seu amor[2].

Fora deste amor a Igreja se torna órfã e, portanto, desumana, pois «sem a Mariologia o Cristianismo é imperceptivelmente ameaçado de desumanidade»[3]; pois «em» Maria e «de» Maria (o Ex e De Maria Vergine), ocorre o mistério da encarnação de Deus, o lugar do encontro da humanidade e da divindade, apelo seguro contra todo espiritualismo desencarnado e herético:

Em qualquer lugar da cristandade onde apareça Maria, cada coisa abstrata e distante, cada forma vazia, assim como cada obstáculo, desaparece e cada alma é imediatamente tocada pelo mundo celestial. Maria, a mais pura entre todas as criaturas imagináveis não realiza nenhuma mediação, qualquer que seja a verdade celeste, sem a cooperação dos sentidos e da carne[4].

O papel de Maria, portanto, é aquele de uma mãe que é próxima, que se põe ao lado do filho, pois, ela «possui uma forma de ajuda onipresente»[5]. A tarefa do cristão é descobrir esta presença mariana para poder se libertar de todo egocentrismo, de todo centramento no próprio eu uma vez que:

Não podemos sempre pensar em nós mesmos e, ao mesmo tempo, ter o Senhor como nosso centro de gravidade. Devemos libertar o centro de nosso interesse para ele, e existe somente um meio para se chegar a isto: Devemos pôr as nossas mãos naquelas de Maria[6].




[1] Cf. DP 295.

[2] K. Lehman, W. Kasper, Hans Urs von Balthasar: Figura…, 168-169.

[3] H. U. von Balthasar, «Il Principio Mariano». 130-131.

[4] K. Lehman, W. Kasper, Hans Urs von Balthasar: Figura…, 179

[5] K. Lehman, W. Kasper, Hans Urs von Balthasar: Figura…, 171.

[6] K. Lehman, W. Kasper, Hans Urs von Balthasar:Figura…, 172.

 

 

 

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