A Pandemia e o Cativeiro

Na teologia Bíblica, o cativeiro designa o período que vai da destruição de Jerusalém por Nabucodonosor (Babilônia), em 587 a.C, até sua reconstrução, iniciada em 537 a.C , sob comando de Ciro (Persa). O costume de deportar os povos conquistados, para desarticular a resistência, era uma prática muito antiga no Oriente médio. Com a deportação, o povo mergulhou num mortal desânimo, crise de identidade e angústia coletiva pelo desenraizamento cultural e espiritual (Ez.11,15 e Is. 49,14; Sl.136).

Muitos se perguntavam: Fomos esquecidos pelo Deus de nossos Pais? Mas, em pleno âmago da grande provação, Deus continuava presente e atuante na história do seu povo, numa fidelidade admirável. A importância religiosa do cativeiro consistiu não somente na sobrevivência da consciência unidade nacional do povo Hebreu, mas também, na produção bíblico-teológico. Porquanto, muitos livros sagrados foram escritos e redigidos pelos Escribas, e hagiógrafos nesse período. O mesmo pode-se dizer, da boa parte dos escritos proféticos, como foi o livro do profeta Ezequiel e uma parte do profeta Isaías. Portanto, o cativeiro não foi em vão! Foi tempo de profunda reflexão, estudo, produção teológica e intensa espiritualidade.

Durante o cativeiro Deus se revelou em sua santidade intransigente e na sua desconcertante fidelidade. O povo, distante da terra santa, sentiu Saudades do templo, do culto nas sinagogas, do livre cultivo da fé. Mas, o povo teve, também, que se reinventar e revisar o culto ao soberano Senhor. Nesse período, o culto a Deus se manifestou fora do templo segundo as palavras do profeta Ezequiel, sacerdote e profeta: “ A glória de Deus não está encerrada no templo”( Ez.1,1…) e cuja presença é um invisível santuário para os exilados (Ez11,16). Comparo este tempo sombrio que estamos vivendo com o cativeiro do povo da Bíblia. Pois, também agora, o espírito de adoração a Deus está acontecendo fora dos templos e se expressa, também, no cuidado com a vida humana, com a sobrevivência, o com a saúde coletiva e solidariedade com milhares de famílias que foram atingidas. Pois, “a fé sem obras é morta”(Tg 2,17). Verdadeiramente, estamos revivendo um cativeiro espiritual, marcado pela imensa e indescritível dor, pela perda de mais 55 mil vítimas.

Cada brasileiro (a) falecido (a) carrega consigo, um pouco de cada um de nós. Em relação a essas perdas, o impacto é ainda maior, quando somos tocados na carne com a navalha da morte, com a perda de algum familiar. É nessa hora que sentimos o “tic-tac” do coração descompassar. Esta dor é potencializada pela falta do ritual dos velórios, tão importante e essencial para reconstrução das identidades das pessoas que partiram e elaboração do luto familiar. Isto porque, em cada velório, há uma narrativa dos parentes relatando o histórico da vida do falecido(a). Sem este ritual, muitos sentimentos não são extravasados.

Ficam contidos ou reprimidos, agravando a saúde emocional dos familiares. Além disso, esta pandemia, em curva crescente de contágio, expôs ou escancarou, ainda mais, o quadro de desigualdade social no Brasil. Segundo a pesquisa do IBGE, os pretos, os pardos e os sem estudos, são os mais afetados pelo novo coronavírus. Em fim, que “este vale de lágrimas” que estamos atravessando nos ensine a reprogramar a vida, incorporando nela, novos e saudáveis hábitos, e buscando um estilo de vida mais sóbrio, humanizado e solidário!

A ressignificação da vida dependerá da nossa criatividade, turbinada pela esperança, como nos aconselha o grande poeta Carlos Drummond: “Enfeite-se de margaridas e ternura, e escove a alma com leves fricções de esperança.” Sim, de esperança em esperança, sempre na esperança na vitória contra esta impactante pandemia.

Pe. Deusdédit é sacerdote Diocesano e Cura da Catedral Basílica do Senhor B. Jesus ( Cuiabá).

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